Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

29 maio 2013

Que queriam fazer de mim?

Uma palavra, um gemido obsceno,
Uma noite sem nenhuma saída,
Um coração que mal pudesse
Defender-se da morte,
Uma vírgula trémula de medo
Num requerimento azul, azul,
Uma noite passada num bordel
Parecido com a vida, resumindo
Brutalmente a vida!

A chave dos sonhos, o segredo
Da felicidade, as mil e uma
Noites de solidão e medo,
A batata cozida do dia-a-dia,
O muscular fim de semana,
As sardinhas dormindo,
Decapitadas, no azeite,
O amor feito e desfeito
Como uma cama
E ao fundo – o mar…
Mas defendi-me e agora escrevo
Furiosamente, agora escrevo
Para alguém:

Lembras-te, meu amor, dos passeios que demos
Pela cidade? Dos dias que passámos
Nos braços da cidade?
Coleccionámos gente, rostos simples, frases
De nenhum valor para além do mistério
Também simples do nosso amor,
Inventámos destinos, cruzámos vidas
Feitas de compacta vontade,
De dura necessidade, rostos frios
Possuídos por uma ausência atroz,
Corpos extenuados mas sem nenhum sono para dormir,
Olhos já sem angústia, sem esperança, sem qualquer
Pobre resto de vida!
Seguimos a alegria das crianças, agressiva
Como o carvão riscando uma parede,
Aprendemos a rir (oh que vergonha!...)
Com a gente «ordinária», e calados
Descemos até ao rio – e ali ficámos
A ver!

O amor continua muito alto,
Muito acima, muito fora
Da vida, muito raro
E difícil: maravilhoso
Quando devia ser fiel,
Fiel em cada dia,
Paciente e natural em cada dia,
Profundo e ao mesmo tempo aéreo,
Verde e simples,
Como uma árvore!

Ganhámos juntos o que perdemos separados:
A luz incomparável, esta luz quase louca
Da primavera, esta gaivota
Caída dos ombros da luz,
E a leve, saborosa tristeza do entardecer,
Como uma carta por abrir,
Uma palavra por dizer…


(...)

agora escrevo, Alexandre O'neill


[lembras-te?... de alguma coisa?  lembras-te do que éramos juntos, do que ainda somos se estamos? lembras-te que me ensinaste a rir sem vergonha de rir? não? não te disse que foste tu que me alargaste o riso? se calhar não... lembras-te que me ensinaste que o amor é quieto e calado, mas revoluciona qualquer tempestade, para poder continuar a ser quieto e calado, ou malandro quando lhe dá para isso - que faz tudo para apenas continuar a ser, é um sobrevivente, acima de tudo, é um selvagem sobrevivente. lembras-te? lembras-te quando dizias que me adoravas e não fugias? lembras-te quando as coisas ainda faziam sentido, e tu não eras em mim nem eu em ti? lembras-te de dizer que tudo tinha deixado de ter sentido depois? de que te lembras tu? eu lembro-me que dizias que quando se ama não há como ir dormir sem saber se o outro está bem, sem se assegurar que está, quando dizias que por muito cansaço que o corpo trouxesse do dia, enquanto houver paixão, não há cansaço que não abrace, que não beije com vontade - lembras-te? eu agora lembro, e percebo,  porque é que nunca consigo adormecer tranquila. e tu, como consegues ir dormir?... não te lembras?]

2 comentários:

Anónimo disse...

Pelos vistos não consigo. E sim, lembro-me de tudo isso.

Eva disse...

Não consegue, mas não é porque tem mais e melhor do que fazer... lembra-se? duvido, algumas destas coisas nem me foram ditas a mim, apenas as ouvi. A mim não se dizem estas coisas...