"Talvez eu seja um maníaco da equidistância. Em cada problema que se me apresenta, nunca me sinto atraído pelas soluções extremistas. É possível que essa seja a raiz da minha frustração. (...) Em geral é preciso bastante coragem (uma espécie muito especial de coragem) para nos mantermos em equilíbrio, mas não se consegue evitar que aos demais isso pareça uma demonstração de cobardia.(...)
A que propósito vinha tudo isto?Ah, sim. A equidistância que agora procuro tem que ver (o que é que não tem que ver com ela na minha vida actual?) com Avellaneda. Não quero prejudicá-la nem quero prejudicar-me (primeira equidistância); não quero que o nosso vínculo arraste consigo a absurda situação de um namoro a puxar para o casamento, e também não quero que adquira o matiz de um programa vulgar e silvestre (segunda equidistância); não quero que o futuro me condene a ser um velho desprezado por uma mulher na plenitude dos seus sentidos, e também não quero por temor a esse futuro, ficar à margem de um presente como este, tão atraente e insubstituível (terceira equidistância); não quero (quarta e última equidistância) que andemos a rodar de casa mobilada em casa mobilada, e também não quero que fundemos um Lar com maiúscula."
Mario Benedetti, in A Trégua
[não, não é uma espécie especial de coragem, é uma especial falta de coragem. Não é por se arranjarem supostas justificações para a cobardia, que deixa de ser cobardia. Os apelidados equilíbrios são apenas uma equidistante cobardia para duas alternativas que se pretendem continuar alternativas, porque só na equidistância as soluções continuam alternativas, mantêm-se alternativas. A opção obriga a uma solução, perdendo a alternativa. O resto são razões que se procuram e que se querem que justifique a confortável inércia de um horizonte por desbravar, sem nunca dar um passo em direcção alguma. As razões preferidas são as que se dizem ter a pensar nos outros, quase à laia de altruístas e nobres (nas que, mais das vezes, não beneficiam realmente ninguém), mas na verdade é sempre pensamento de - e a pensar em - quem as pensa. Há uma altura no livro em que esta conversa é desmascarada e onde um amigo, sem papas na língua (há quem lhe chame mau feitio, mas às vezes acorda-se muita gente...) diz exactamente isso, são apenas desculpas para não avançar e enfrentar o medo. Sempre o medo, do próprio, claro, vir a sofrer, vir a perder alguma coisa. Estas supostas equidistâncias, que se presume manterem equilíbrios, não são coragem alguma, são apenas o assumir do esforço (que pode ser grande, não digo que não) que tem de se fazer - às vezes até há quem as apelide de estoicismo -, que tem de se enfrentar e aguentar para evitar o medo de uma opção, e uma opção é sempre uma perda. Um sim é sempre um não a alguma outra coisa.]
Eva me chamaste
Fizeste das minhas costas o teu piano
Dos teus desenhos as minhas curvas
Da minha boca a tua maçã
Dos meus olhos o teu mar
Do meu mundo os teus braços
(...)
Fizeste das minhas costas o teu piano
Dos teus desenhos as minhas curvas
Da minha boca a tua maçã
Dos meus olhos o teu mar
Do meu mundo os teus braços
(...)
18 junho 2015
Final de dia, a luz a lamber o horizonte devagar, a deixar-se ir,
quente e lânguida, pela escuridão da noite que a abraçará.
Uma mesa de café, uma brisa que refresca, uma companhia que arrepia a espinha e o sorriso malandro. É disso que ainda sinto falta, dessa sintonia, do rir no mesmo tom, do tocar nas mesmas cores, do olhar com o mesmo querer, de ler a mesma música sem haver pauta. Ou parecer.
O que me faz falta, também, é a pele, como que me esqueço que me veste, esqueço-me que existe,
não se arrepia a não ser de frio, não aquece a não ser por fora.
Preciso de alguém que volte a fazer-me sentir,
voltar a vestir a alma na minha pele, anda há demasiado tempo nua e perdida.
A alma precisa de pele e a pele precisa sentir a alma.
Ainda não sei dividir-me e ainda me falto inteira.
E faltam-me fins de tarde assim.
E começos de dia.
E noites.
Inteiras.
Inteiros.
Bom Dia
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