Amei Demais
Madruguei demais. Fumei demais. Foram demais
todas as coisas que na vida eu emprenhei.
Vejo-as agora grávidas. Redondas. Coisas tais,
como as tais coisas nas quais nunca pensei.
Demais foram as sombras. Mais e mais.
Cada vez mais ardentes as sombras que tirei
do imenso mar de sol, sem praia ou cais,
de onde parti sem saber por que embarquei.
Amei demais. Sempre demais. E o que dei
está espalhado pelos sítios onde vais
e pelos anos longos, longos, que passei
à procura de ti. De mim. De ninguém mais.
E os milhares de versos que rasguei
antes de ti, eram perfeitos. Mas banais.
Joaquim Pessoa, in 'Ano Comum'
[.. a minha companhia: um cigarro fumegante e uma vela ruidosa, debaixo do silêncio do luar ( e que luar, caramba). A lua enorme e espreitar por entre ramos... A natureza devolve-me sempre um pouco de mim, como se chegasse às raízes mais fundas para as tentar acordar... e eu só quero adormecer. Um adormecer de mim, do que trago, que seria acordar de ti, do estado adormecido em que me embalaste, onde me aninhei, em que me inebriei, e tanto me enganei.
Amei demais.
Não sei gostar assim assim, por isto ou aquilo, por esta ou aquela razão, porque dá jeito e até nos damos bem. Eu só sei gostar assim: demais. Ou nada, que às vezes é quase nada, mas para mim é o mesmo - não sendo tudo, com tudo, é banal, é nada, por muito bom que seja. Depois de se verem certas coisas, sentirem certas coisas, viverem certas coisas, o resto é banal sobrevivência, ainda que boa. Mas uma sobrevivência só minha, só para mim, porque só eu as vi, as senti, as vivi. Sempre só eu. E continuo. ]
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