"- Sabe as mulheres têm muitas vezes a impressão de que os homens estão muito mais apaixonados por elas do que na realidade estão.
(...)
- Não sabe porque casei consigo?
- Porque queria estar casada antes da sua irmã Doris.
Era verdade, mas ela sentiu algum regozijo quando viu que ele sabia. Por mais estranho que parecesse, ele espicaçava-lhe a compaixão mesmo naquele momento de medo e raiva. Ele esboçou um sorriso ténue.
- Nunca tive ilusões a seu respeito - disse. - Sabia que era pateta, frívola, uma cabecinha oca. Mas amava-a. sabia que os seus objectivos e ideais eram triviais, lugares comuns. Mas amava-a. Sabia que não era lá grande coisa, mas amava-a. É engraçado quando penso no esforço que fazia para achar graça às mesmas coisas e na ansiedade com que lhe escondia que não era ignorante, banal, maledicente e estúpido. Sabia como a inteligência lhe metia medo e fazia tudo o que podia para que pensasse que eu era tão idiota como o resto dos homens que conhecia. sabia que só tinha casado comigo por conveniência. Mas amava-a tanto que não me importava. Tanto quanto sei, a maior parte das pessoas, quando estão apaixonadas por alguém e esse amor não é correspondido, sentem-se ofendidas e ficam cada vez mais zangadas e amargas. mas eu não era assim. Nunca esperei que me amasse, não via razão para que o fizesse, nunca me considerei muito amável. Bastava-me poder amá-la e entrava em êxtase quando, de vez em quando, pensava que lhe agradava ou quando captava nos seus olhos um lampejo de sorridente afeição. Tentava não a importunar com o meu amor, mas, como sabia que não podia evitá-lo, estava sempre atento ao primeiro sinal de impaciência ante o meu afecto. O que a maior parte dos maridos espera ter como um direito eu estava preparado para receber como um favor.
Kitty, acostumada uma vida inteira à lisonja, nunca até aí tinha ouvido ninguém dizer-lhe tais coisas e no seu coração explodiu uma ira cega que rechaçou o medo, uma ira que parecia sufocá-la, fazendo-lhe as veias das têmporas inchar e latejar. A vaidade ferida pode tornar uma mulher mais vingativa do que uma leoa a quem roubaram as crias."
Somerset Maugham, in Véu Pintado
[Isto é tudo o que eu não quero: ter a certeza que não sou amada e resignar-me a isso, a amar alguém que não consegue perceber o que eu sinto por dentro, ainda que possa sentir com menos ou mais intensidade, tem de ser um comprimento de onda partilhado ou não vale a pena. Por muito que dar seja tão mais gratificante do que receber, receber por favor recuso-me, chega a ser ofensivo emocionalmente. Talvez seja o dito orgulho, o não poder exigir o que só existe sem exigência, ou sequer, razão. Mas também não ser amado não é culpa de quem não ama, porque não nasce da vontade, por isso aquele ressentimento de quem sabe que não é amado parece-me uma coisa mesquinha, amarga e ressabiada, como se nos achássemos tão grande coisa que a estupidez de não nos amar é do outro. A culpa de não nos ver como nós queremos que nos veja, ou como nos vemos, é do outro. E isso sim é estúpido. E eu tento a todo o custo não ser esse tipo de estúpida, mas tenho toda uma palete de estupidezes para me desforrar... e à grande!]
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