Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

17 fevereiro 2015



Apago as luzes pego num cigarro, o último do dia, espero.
Sento-me à janela donde vem luz e movimento, na varanda está demasiado frio para o cansaço que trago nos ombros, para o frio que tenho dentro. Penso nas pessoas que têm um amor tão grande que não lhes cabe nas mãos, que nem sabem dizê-lo, mas sabem estar sempre que é preciso, sabem apoiar, dar e sofrer quando as horas apertam (porque amar é muito - tanto - feito desse estar, dando; desse cuidar, estando; dizê-lo é fácil - é só preciso pronunciar palavras, juntando letras, sons). Pessoas que são muito doces por dentro e endurecidas por fora. A vida, as desilusões, as dores que cicatrizaram em carapaça impenetrável. Mas que guardam amores ternos, verdadeiros, duma generosidade imensa que escaparia aos olhos mais incautos. E é também nestas alturas que me sinto orgulhosa, e agradecida, e tão aquém de quem me está tão próximo, quem me é. E um peso doloroso de culpa imensa por não conseguir ser assim, por não ter em mim tamanha generosidade, para lhe poder aliviar o peso das obrigações que também são minhas, e de que ele não quer partilhar o peso. Poupa todos menos a ele. Hoje em dia é o único homem que me protege. E tenho orgulho nisso, ainda que nunca lho tenha dito. Mas acho que ele sabe.
Agora vou fechar a tela branca e fumar o último cigarro numa paz cansada, e esperar que amanhã seja um dia melhor, mais calmo, menos dorido, mais normal, menos avassaladoramente assustador. Mas se for, acordaremos amanhã para ele. Seja. Até que deixe de ser.

Boa noite.

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