O OLVIDO
na outra margem da noite
o amor é possível
— leva-me —
leva-me entre as doces substâncias
que morrem a cada dia na tua memória
Alejandra Pizarnik
(Tradução de Diogo Vaz Pinto)
Como atravessar para a outra margem se o o tempo corre entre nós a velocidades diferentes?
Duas margens, um rio, tantas correntes.
Na outra margem tudo é sempre possível, como sempre tudo é possível se quisermos que seja, se quisermos acreditar e lutar por isso. Passa a ser impossível apenas quando desistimos, até lá não se prova a impossibilidade.
Se quisermos que seja, e se quisermos mesmo o mesmo, o tempo entre nós dança a mesma música, a saudade entre as duas margens calcorreia em segundos o mesmo espaço de ausência, de vontade, de sede dum olhar que seja a nossa casa, onde se descansa esquecendo que nos cansámos. A cada memória que morre, o rio adensa-se os compassos dessincronizam-se, a dança já não dança a um só corpo, e dois corpos desligados são duas margens que não se tocam. Foi o tempo que correu entre eles e ficou. Ficou sempre entre eles. Apartou ritmos, cumplicidades, intimidades, calores que esfriaram na recordação do que alguém não quis repetido. A falta de vontade esfria, gela a vontade da outra margem que deixa de acenar. Não são já duas margens do mesmo rio, são dois pedaços de terra, nada os junta, nada os separa. Não são o mesmo. Quando não são o mesmo o amor não é possível.
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