[frase, das (muito) boas de "A Trégua"]
"Porque desta vez falei-lhe com toda a franqueza; o tema casamento foi discutido até à exaustão. «Antes de virmos para aqui, para o apartamento, eu apercebi-me de que, para ti, era penoso pronunciar essa palavra. Um dia, disseste-a, à entrada de minha casa, e tens toda a minha gratidão pelo facto de a teres dito. Serviu para que eu me decidisse a acreditar em ti, no teu carinho. Mas não podia aceitá-la, porque teria sido uma base falsa para este presente, que nessa altura era futuro. Ao aceitá-la também teria tido de aceitar que tu te submetesses, que te obrigasses a uma decisão para a qual ainda não estavas preparado. Em contrapartida, submeti-me eu, mas como é lógico, posso estar mais segura das minhas reacções do que das tuas. Eu sabia que, mesmo submetendo-me, não te guardaria rancor. (...) Por isso te digo que agora não tenho a certeza de que o casamento seja a nossa melhor solução. O que é importante é que exista algo que nos una; esse algo existe, não é verdade? Ora bem, não te parece mais poderoso, mais forte, mais bonito que aquilo que nos une seja isso que existe verdadeiramente e não uma simples formalidade (...) E, finalmente há o teu medo do tempo, de envelheceres e eu olhar noutra direcção. Não sejas tão melindroso. Aquilo de que eu mais gosto em ti é algo que o tempo não será capaz de te tirar.»"
Mario Benedetti, in A Trégua
"(...) ao aceitá-la também teria tido de aceitar que tu te submetesses, que te obrigasses a uma decisão para a qual ainda não estavas preparado. Em contrapartida, submeti-me eu, (...)" - esta frase foi talvez das que mais me marcou neste livro. Li, sorri, fechei o livro, percebi a sensibilidade do homem que o escreveu e o entendeu: o gesto de amor, dos mais belos e mais imperceptíveis. Acho que este pequeno grande pormenor passa ao lado de tanta, tanta gente; e este pequeno grande pormenor é amar, amar verdadeiramente. É incrível como isso passa tão despercebido, como não entendem, como quem vê de fora não percebe, que às vezes nos submetemos ao inimaginável para não submetermos, não obrigarmos, quem amamos ao que imaginamos não estarem preparados para fazer, para que, no fundo, afinal, não se submetam. Simplesmente não se submetam. E ao fazê-lo ser opção consciente, sem mágoa, sem exigência alguma, apenas por não querer provocar, ou de alguma forma forçar, uma reacção no outro que queremos que seja livre e espontânea: verdadeira. Só assim o admitimos - verdadeira -, seja qual for o tempo que precise para que nasçam em si certezas, porque só queremos alguém com a certeza genuína, que nasce por dentro, selvagem e livre, cheia de força. Só assim terá força, a força da vida que pulsa no sangue que o coração faz correr - que faz viver realmente. Provocar uma resposta não é responderem-nos, é reproduzirem o que queremos ouvir, não nos responde a nada, é uma espécie de monólogo estéril, que só contenta a quem gosta de se ouvir: quem não ama, não sabe amar. Porque quem ama só quer amar e ser amado - sentindo que ama e que é amado -, e isso nunca pode implicar submissão, a não ser ao próprio amor ("em contrapartida, submeti-me eu"...). Não se força, não se provoca, não se faz, surge, e quando surge tem a força que dá a certeza de ninguém ser obrigado a submeter-se - a não ser ao amor que os dois sentem, ou não vale de nada, não vale nada. E isto, isto que se sente assim, é uma coisa que o tempo não pode tirar, o que pode tirar - e tira certamente - é a certeza de que o outro nos deixa sempre submeter, sem nunca chegar o tempo, dentro do nosso tempo, de querer realmente ficar junto, e que "importante é que exista algo que nos una". E isso seja vivido.
2 comentários:
Dios mío...Sete vezes Dios mío.
E afinal a trégua só durou sete meses.
Ficou um "destino oscuro" Ficou um vazio maior
:(
Nanda
Já leste, Nanda?
Mas sim, o vazio ficou maior, ficou uma falta maior por maior ter sido o que se teve...
E afinal o tempo faltou a quem mais o teria...
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