"O amor não tem de cumprir critérios, só tem de nos fazer felizes. Mas se encontras com quem ser pleno, abre-se dentro de ti uma porta que nunca mais vais conseguir fechar: depois de encontrares alguém em quem consigas ver o arco-íris, a escala musical, todas as matrioshkas ao mesmo tempo, nunca mais nada vai ser igual na tua vida, nem nunca mais vais conseguir ver ninguém com os mesmos olhos**.
E esse amor com as notas todas é coisa para te fazer feliz, e é coisa para fazeres durar."
** é o efeito descrito por Platão no livro VII da República, na chamada Alegoria da Caverna
E o Menino sempre a lembrar-me o que quero esquecer que sei, e não consigo.
Há coisas que depois de sentidas, vividas, não dá para apagar da alma; ficam gravadas, e mesmo o tempo que passa apenas as torna mais esbatidas, mais escondidas em nós, mais ilegíveis aos outros, mas sabemos sempre - pior, sentimos -,o que são aquelas inscrições que nos ficaram gravadas por dentro do código genético da vida, da nossa vida.
A mais pequena memória afunda-nos em recordações, em comparações sempre perdidas, em sorrisos tristes avessos ao presente, em vontades sempre desfeitas. Deixamos de acreditar que o impossível é possível, porque vivemos esse impossível, porque o conjugamos no passado, e curiosamente, vamos deixando de acreditar nele, mas mais nada nos serve, nos servirá, "nunca mais nada vai ser igual na tua vida, nem nunca mais vais conseguir ver ninguém com os mesmos olhos".
E é uma pena, e ao mesmo tempo, hoje em dia, penso ser uma bênção também.
Aceita-se melhor a vida depois de desistir dela.
O impossível - a plenitude-, rouba-nos todas as outras possibilidades, o possível - o comezinho-, torna-se para nós impossível de viver, torna-se sobrevivência. Mas sobreviver é instinto, viver é vontade.
É mais fácil sobreviver (ou assim me ando a convencer...).
6 comentários:
Também tinha lido esse post e fiquei com um aperto no peito. Aquele de quem sabe perfeitamente do que ele está a falar...
...é, aperta mesmo.
Aperta tudo por dentro.
Um dia acho que uma pessoa se habitua a conviver com esse aperto de vida esmagada... infelizmente. Ou talvez não.
Conheço bem esse aperto. Sei bem o que é viver... incompleta. Habituar, nunca nos habituamos. Mas passa. Porque houve motivos para não dar certo (ainda que só a outra parte às vezes os veja). E, de repente, a magia volta a acontecer! E o que era único torna-se vulgar. E o que passava indistinto no meio da multidão ganha luz própria. E começa tudo de novo...
..pois, não tenho esperança nisso: do acontecer tudo de novo. Há coisas sem repetição, quanto mais não seja porque não nos abalroam de novidade, não nos espantam de surpresa, não nos assaltam a existência com uma descoberta que não sonhávamos possível fora de livros e filmes... nunca mais nos arrebataremos assim, dê por onde der. Poderá haver contrafacções mais ou menos fiéis, poderá até haver coisas boas, agradáveis, mundanas e comezinhas, mas aquela plenitude, aquela felicidade que nos inunda e parece às vezes afogar de vida... essa não acredito que se repita, e às vezes até agradeço, porque nos deixa demasiado vulneráveis, demasiado em carne viva, demasiado vivas. E é aí que as mortes doem mais...
Não acredito que aconteça a toda a gente, nem a toda a hora... A magia está mesmo aí! Quanto menos se acredita, quanto mais morta pensamos estar, quanto maior pensámos que foi o que vivemos, a vida troca-nos as voltas.
E não sei bem explicar, mas tudo se reveste daquela novidade, daquela sensação de que estão a descobrir tudo pela primeira vez, não nas vossas vidas, mas na própria História da Humanidade...
Espero que um dia o vivas e possas concordar, porque não mereces estar sozinha e muito menos com alguém comezinho...
Sim, não acontece a todos e acho que nem todos têm capacidade para o viver, o sentir verdadeiramente, o reconhecer.
... e sim essa é uma boa descrição: "descobrir tudo pela primeira vez (...) na própria história da humanidade..".
:)
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