Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

19 agosto 2014

"Às vezes felicitava-se por desprezar aquela pessoa tão triste; mas, contra a sua vontade, a conversa dele cativava-a. Sobretudo o que à espantava era a sua completa falsidade; não dizia uma palavra à marechala que não fosse uma mentira, ou, pelo menos, um abominável disfarce da sua maneira de pensar, que Matilde conhecia tão perfeitamente a respeito de quase todos os assuntos. Este maquievalismo espantava-a. "Que profundidade!", dizia para consigo.
(...)
Quando, depois de uma longa divagação, conseguia retomar o raciocínio, pensava: "portanto, eu obteria um dia de felicidade depois do qual recomeçariam os seus rigores, fundados, infelizmente, sobre o pouco poder que tenho de lhe agradar, e não me restaria recurso algum: estaria arruinado, perdido para sempre... Que garantia me pode ela dar com um carácter assim? Ai! Falta com certeza elegância nos meus modos, a minha maneira de falar é pessoal e monótona. Santo Deus! Porque sou assim?"

Stendhal, in Vermelho e negro

[... Penso o mesmo, porque sou assim? E porquê estes jogos? Não sei jogá-los, não tenho paciência nem jeito, nem quero. E no entanto reconheço nestas linhas aquele efeito estranho que vejo por aí, desprezar o que se acha bom e se entende que verdadeiramente se procura, e ser-se atraído estupidamente pelo que se critica e se pretende afastar, apenas porque é o meio a que se está habituado, a que chamamos casa, ainda que sempre que se tem oportunidade se declare que é o que não queremos, é do que queremos fugir. Daí Matilde dizer do seu desprezo, mas a conversa teatral, e não sentida, de Julião a cativar, ainda que ela a saiba falsa. Gosta mais das genuínas ideias dele mas não resiste ao efeito que o teatro tem sobre si... Ou será sobre a sociedade? E por isso sobre ela?]

Sem comentários: