Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

30 maio 2010

Entraram no pequeno hotel encaixado algures nas ruelas do centro da cidade a rir, pararam em frente à porta e olharam um para o outro, um olhar que não via, sentia, um olhar que sabia encontrar o fundo do outro mesmo à beira de si mesmo. Nasceu-lhes um sorriso nos lábios como se os dois tivessem pensado o mesmo, tivessem acabado não a frase, mas o pensamento do outro, e o ponto final fosse esse sorriso. O luar deixava ver o brilho nos olhos dele, sempre semicerrados, sempre semisorridentes e sempre cheios de ternura que as mãos se encarregavam de comprovar a cada toque, que os lábios faziam sentir na pele. Abraçaram-se, ela em bicos dos pés, os saltos faltam às sapatilhas e a altura falta ao beijo que lhe dá, meia a rir. Beijo feito, abraço desfeito, ele abre a porta do hotel. Hotel pequeno, de charme, como ele dizia, recepção à meia luz, o numero do quarto. Com a chave do 15 na mão, subiram as escadas. Ela à frente, ele atrevido atrás. Ele era sempre assim, atrevido, malandro e a faze-la rir e resmungar ao mesmo tempo. Chegaram. Abriu a porta e entraram. Ela tirou o casaco, ele foi à recepção tratar do esquecido pequeno almoço na cama do dia seguinte. Enquanto isso ela acendeu as velas com um sorriso malandro, tinha-as comprado há pouco sem ele dar conta, numa das barraquinhas por que tinham passado. Acendeu-as e espalhou-as pelo chão ao lado da cama, em cima da cabeceira da cama, nas mesinhas, o ambiente ficou aconchegante, nem luz a mais, nem a menos. Ocorria-lhe agora que ele já lhe dissera como ela ficava bonita à meia luz, com as sombras a passearem-lhe no rosto, e olhava para ela para decorar, para fotografar na memória, o momento. E nunca lhe disse, nunca lhe respondeu que não precisava, que o seu rosto e o resto eram dele, não precisava da memória, tinha o original sempre, bastava querer. Nunca lhe disse, mas estavam ali, e voltou a sorrir. Abriu a janela, com a noite amena ouviam-se os sons da movida, das gentes que passavam a caminho de algum lado, ou vindos de algum bar. A lua ao fundo, repleta, a inundar o canto do quarto, dava ares de noite de verão, embora não fosse. Acende um cigarro e conta as estrelas para entreter os pensamentos. Algo nela tremia, mas tremia sempre, algo ansiava, mas sempre fora assim desde que se entregou a um sentimento que não conseguiu conter, contrariar, anular em si, descobriu-lhe vida própria, que lhe fazia tremer as pernas e qualquer coisa dentro do peito. E estava assim, quando ouve a porta a abrir, ele a entrar e cortar a luz do luar, lindo, dela, com silhueta de Deus grego ( e ri-se a pensar isto), e muito malandro, a rir, a denunciar o reconhecimento do território ligeiramente modificado. Abraça-a pela cintura, puxa-a para si, e ela, meia envergonhada nem sabe bem de quê, aninha-se nele e naquele seu cheiro quente que a inebria desde os dias em que o cheirava ao longe e começava a rezar sozinha que era doida... Ficam assim algum tempo, em silêncio quebrado só pelos beijos que trocam. Ela olha para ele e pergunta-se se ele saberá, se ele sabe como é bom tê-lo, como é bom senti-lo, como é bom estar ali, como é bom o que sente. Só assim, só no silêncio da paixão, sem ser preciso palavras, mas sem atrapalharem quando aparecem. Olha outra vez para ele e ele observava-a, e responde ao ar interrogativo dela dizendo-lhe que a adora, e que ela é linda com as sombras desenhadas pela luz das velas a dançarem-lhe no rosto. Que quer olhar para ela para a guardar na memória.