Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

29 janeiro 2012

"Gosto muito dele, mas não há homem nenhum de quem possa gostar mais do que gosto de mim."
Gostava de ter esta distância racional dos sentimentos, como se lhes estivesse por fora, como se lhes sobrevivesse. Não consigo, nunca consegui, por muito que racionalize tudo , ou tente, a mão, o acto, vai depois de acordo com a alma. O corpo trai a razão tantas vezes, mas não a alma. Desisti já de os tornar independentes, andam de mãos dadas, e aprendi que assim a paz interior é maior, ainda que muitas vezes em tumulto, ainda que tantas vezes com dias dificeis, ainda que tantas vezes essa pouca paz tenha o barulho de fundo ensurdecedor da razão, a gritar-nos aos ouvidos.
Não consigo pensar assim, talvez seja falta de amor próprio, talvez, não digo que não. Mas eu entendo-o propriamente,  apenas como um amor diferente, é que há pessoas de quem gosto porque gosto de mim, e gosto de mim porque gosto deles, está tudo misturado, os terrenos invadem-se mutuamente, nunca consegui muito bem estabelecer fronteiras internas à razão de regra e esquadro. Para mim, gostar de algumas pessoas é como gostar de mim, porque elas já se fizeram um pouco parte de mim, não gostar delas é trair-me um pouco, enxotá-las é esvaziar-me aos poucos. Nem sempre esse gostar de alguém, ou de mim, é pacífico, nem sempre me traz apenas alegrias e felicidade. Eu tenho também tantas características em mim que só me trazem problemas e dissabores, e mesmo que muitas vezes diga, e queira pensar o contrário, gosto de mim assim, não mudava os meus defeitos, porque isso mudaria as minhas qualidades, alteraria o meu (des)equilibrio natural, e deixaria de ser eu, e eu no fundo, não desgosto assim tanto de mim que me que me queira mudar por dentro, como quem refaz a sua decoração de interiores. Sofro, mas sou eu a sofrer, e sofro perto e na pele não à distância remota a que controlo o que sentir ou não, e por quem. Não tenho o comando da minha vida de fora de mim. Não sinto à distância. Sinto, porque sentir, para mim, é ser por dentro. É sermos o que somos quando gostamos de quem gostamos, ou de quem não conseguimos gostar.