Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

12 agosto 2012

"O abandono não é um acto de vontade mas uma consequência do esquecimento, meu amor."

"O amor, Camila, consiste na divina graça de parar o tempo. E nada mais se pode dizer sobre ele".

"Contudo, nunca nos tornámos íntimas. Aliás, eu enchia a casa de amigos precisamente para afastar todas as hipóteses de intimidade. Sobretudo, para pulverizar a vossa intimidade. Ou antes, para que aquela festiva multidão de estranhos me oferecesse a ilusão de ser tua mulher." 

Inês Pedrosa, in Nas tuas mãos
E aqui ficam para vosso deleite algumas passagens, para além daquelas que já fui pondo aqui, que não me passaram ao lado  (e assim também ficam registadas para me facilitar o meu regresso a elas..):

" Vão para lá de nenhuma parte, dando o vindo por não ido, à espera do adiante."
"E me olhou fundo, com serenidade que só a tristeza pode conceber. Seus olhos tinham modos menineiros de quem não nasceu para aprender as manhas de ser feliz."
"Então, ele me confessou estranhas coisas. Disse que havia duas maneiras de partir: uma era ir embora, outra era enlouquecer. Meu pai escolhera os dois caminhos, um pé na doideira de partir, outro na loucura de ficar." 
" não inventaram ainda uma pólvora suave, maneirosa, capaz de explodir os homens sem lhes matar. Uma pólvora que, em avessos serviços, gerasse mais vida. E do homem explodido nascessem infinitos homens que lhes estão por dentro." 
"(...) Tudo o resto se passou em silêncio como se perto já não se escutassem. O amor que trocaram é assunto para duas vidas inteiras, abandonadas para sempre num barquito sem rumo." 
"Entrei, perturbabado, ardendo de intenção. Juntei-me a ela, chegadinho, fosse confiar-me um ilegítimo segredo. Ela se prumou, face a face. Nos olhámos como se reconhecêssemos, no outro, o único ser da terra. Eu para mim, me garantia: não chegava uma vida inteira para contemplar aqueles olhos. Cinzas, se nos olhos dela dormitavam, em brasas se acenderam." 
"Farida me dera um novo gosto de viver. Até ali me distraíra nesse estar contente sem nenhuma felicidade. Depois de Farida me tornei encontrável, em mim visível." 
"Minha única posse era o medo. (...) Quem vive no medo precisa um mundo pequeno, um mundo que pode controlar." 
"(...) tinha de haver guerra, tinha que haver morte. E tudo era para quê? Para autorizar o roubo. Porque hoje nenhuma riqueza podia nascer do trabalho. Só o saque dava acesso às propriedades. Era preciso haver morte para que as leis fossem esquecidas. Agora que a desordem era total, tudo estava autorizado. Os culpados seriam sempre os outros." 
"Depois, me empurrou com suavidade. Mas eu resisti, me demorando junto dela. Assim, de face em riste, ela me surgia exclusivamente única, triste como pétala depois da flor. Meu peito se encheu. Eu sei que em cada mulher a gente lembra outra, a que nem há. Mas Carolinda me entregava essa doce mentira, o impossível cálculo do amor: dois seres, um e um, somando o infinito. Se aproximou e me acariciou os braços, ali onde as cordas me doeram. A cintura de suas mãos me afagavam, em suave arrependimento. Aquele momento confirmava: o melhor da vida é o que não há-de vir."

Mia Couto, in Terra Sonâmbola