Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

21 novembro 2014



"Dias Bons:

o despertador toca, olho para as horas, espreguiço-me e levanto-me. no duche, cantarolo músicas cujas letras desconheço. olho-me ao espelho e “converso-me”: are you talking to me? you are so stupid! e sorrio. qualquer roupa me fica bem e ao pequeno almoço oiço na TV que está trânsito e que o tempo vai piorar e por isso escolho ir de metro e sem guarda-chuva, porque há beleza na chuva e ainda vai dar para ler o jornal durante a viagem.
chego um pouco atrasado ao trabalho e o chefe diz “isto são horas?”, respondo com um sorriso “horas e minutos” e o chefe sorri dizendo entre dentes “que engraçado que ele está.”
ao almoço, a sopa vem fria, peço educadamente “oh Sr. Manel eu sei que lá fora está frio, mas a sopa está de simpatia com o tempo?”, o Sr. Manel oferece-me a sopa no fim. de tarde, um colega de trabalho pede-me “oh pá, preciso que faças este trabalho até às 17h” e eu respondo “não te preocupes, eu dou conta do recado como de costume”.
depois do trabalho vou para o metro e oiço música que me inspira a escrever. Chego a casa e a namorada diz “vamos jantar fora”, ao que respondo no imediato “onde?”. de volta a casa, é a minha vez de levar o cão à rua, voltar à chuva e à inspiração. ligamos a TV e vemos um filme. a meio do filme fazemos amor e dormimos agarrados um ao outro.

Dias Maus:

o despertador toca, apetece-me atira-lo contra a parede. no banho, deixo a água escorrer-me pelo corpo enquanto fico de cabeça baixa a tentar acordar. olho-me ao espelho e não penso, desligo a luz. qualquer roupa me fica mal e de tanto escolher, escolho a pior. ao pequeno almoço oiço na TV que está trânsito e que o tempo vai piorar, penso em voltar para a cama.
chego um pouco atrasado ao trabalho e o chefe diz “isto são horas?”, respondo de forma rabugenta “horas passei eu enfiado no carro a aturar gente maluca. anda tudo a dormir na estrada. vou trabalhar!”
ao almoço, a sopa vem fria, resmungo “oh Sr. Manel o raio da sopa está gelada! espero que o resto da comida não venha assim!“ o Sr. Manel pede desculpa e vai-se embora. de tarde, um colega de trabalho pede-me “oh pá, preciso que faças este trabalho até às 17h” e eu respondo “é sempre a mesma coisa, tudo em cima do joelho, depois queixam-se! não faço milagres, não prometo nada, mas sim, faço isso até às 17h.”
depois do trabalho vou para o carro e oiço na rádio que está trânsito. o tipo do carro da frente demora uns segundos a arrancar do sinal vermelho e eu já estou a apitar. chego a casa e a namorada diz “vamos jantar fora”, ao que respondo no imediato “acabei de chegar! não me apetece sair”. jantamos qualquer coisa aquecida no micro-ondas. ela diz que é a minha vez de levar o cão à rua e eu digo-lhe que estou de pantufas e que não vou para a chuva. ligamos a TV e vemos um filme. a meio do filme adormeço e duas horas depois vou para a cama sozinho. dormimos separados um do outro."

daniel camacho

[...há quanto tempo não tenho um dia, um dia inteiro bom, não um bocado, não um instante, não uma eternidade bem encaixada entre horários, mas um dia, do acordar ao adormecer, que possa dizer que foi um dia bom? 
Penso, e sei que tive dias bons, dias que gostei, que me assentaram bem, ou em que eu consegui assentar bem neles, vesti-os como eles me vestiram, foi uma boa troca, dias de sorrir para dentro, de me fartar do de fora, de me cansar de tudo que não me é, com a plenitude de sentir o que tenho em mim, só do que tenho e é meu. Porque o que é nosso são só coisas que não nos podem tirar, roubar ou pilhar, o que não perdemos. O que podemos perder não é nosso. 
Sim, tive dias assim. Sozinha. Dias em que gostei de estar sozinha, em mim, comigo. Tive alguns dias bons, onde me senti bem, ainda que não plena, não completa; dias em que os dias são bons porque lidamos melhor com a saudade, porque nos esquecemos do desamor, das dúvidas do que nos querem ou até do que temos. Dias em que optamos por querer estar sozinhos porque desistimos de não nos sentirmos sozinhos com alguém ao lado, de estarmos com alguém e isso nos arrancar da solidão e não aumentar apenas o número de presenças (ou ausências assistidas?). Desistimos - naquele dia -, de querer mais do que se tem, desistimos de querer a plenitude e optamos pelo dia bom, quando ele nos deixa e nós o deixamos deixar... Mas os momentos felizes - não os bons, os felizes -, esses foram instantes, janelas de luz paradas no tempo, carimbadas de eternidade, coisas acontecidas no meio de outras, no meio dos dias compridos corridos, nas noites curtas estancadas no tempo de várias horas e tantas conversas. E um dia assim já não me lembro de ter, em que me sinto eu comigo, sem estar sozinha, em que me sinto plena na outra parte de mim que alguém me traz na extensão do que sou mas não tenho (sou mas não tenho - será meu??...) Tenho em ti, tenho-me plena em ti comigo, e às vezes parece-me que sem ti não me tenho senão amputada do que sendo (m)eu, eu não tenho.
E tu? Há quanto tempo não tens um dia bom? Um dia desde que acordas até que adormeces? Quando foi o último dia? E um dia feliz? E um momento pleno? Lembras-te, sabes? Quando foi? Estavas sozinho em numero ou acompanhado de solidão? 
(lembro-me de um dia me responderes a isto sem to ter perguntado; pergunto-me se o que me disseste era verdade, se era mentira, ou se nem tu sabes, e se a tua resposta ainda é a mesma... perguntas, sempre perguntas, é o que é!!)

Bom Dia