Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

23 outubro 2013

Boa Noite


"Sabes, dei por mim a pensar na importância dos factos passados - não do passado como um todo, mas de cada facto, de cada episódio, de cada período.

A verdade é que à medida que vais vivendo vais acumulando experiências e sensações, e o universo do que sabes, do que sentes e do que sentiste torna-se a cada dia maior.

E com isso, o peso, a relevância de cada episódio das tuas memórias diminui, proporcionalmente, de tamanho. A memória de um dia tem mais peso, se vista no contexto de uma semana, que no contexto de uma vida.

Mas os dias não são iguais e as memórias não são iguais. Há dias que recordarás sempre, que serão sempre enormes, por maior que seja o contexto. Há pessoas que recordarás sempre, e lugares, e cheiros, e sabores. Lembrar-te-ás sempre de momentos da tua infância, da tua adolescência, das aventuras com os amigos e as amigas e de achar, como acha cada nova geração, que tinham inventado a pólvora, a liberdade, o amor.

Há beijos que recordarás sempre. E corpos. E pessoas inteiras, ou partes delas, e sorrisos. Há sorrisos cuja memória dura uma vida.

Mas quanto mais vives e quanto maior é o que tens por dentro, menos pesa cada parte. O que cresce dentro de ti, o que continua a crescer dentro de ti, é o presente, é quem és hoje, é com quem estás, é o que fazes, é o que és, não o que foste.

Apenas isto cresce todos os dias - o resto vai progressivamente minguando, pontilhado aqui e ali pelas memórias que não fogem. Mas as memórias tornam-se estrelas no céu da noite - sempre visíveis, mas incapazes de te alumiar os passos.

No entanto ninguém apaga a memória. Podes cobri-la de nuvens, mas ela permanece, à espera de outros dias. Não a queiras reprimir. E se abrires os olhos verás de quem não a precisas de esconder.

Afinal o teu céu será sempre o teu céu e terá sempre as tuas estrelas, como o meu céu será sempre o meu céu e as estrelas dele serão as minhas. 
E havemos de construir memórias juntos, e algumas delas serão estrelas no teu céu, e no meu céu, e teremos em conjunto uma constelação pequena, ou uma galáxia, ou um universo de trazer por casa.

Mas galáxia alguma apaga o que já há - pode tirar-lhe o brilho, mas nem por haver lua cheia o céu se apaga de estrelas. Tu sabe-lo, e eu sei-o. E nas estrelas há memórias, e às vezes há lá sorrisos.

E se te falar, a ti que és a minha lua e tantas das minhas estrelas, se te falar de estrelas minhas quando nadarmos à noite, sabe que o faço pelos sorrisos e não só. Faço-o para que saibas, pelo mapa das minhas estrelas, os lugares onde estive. Não é o lugar onde estou - esse é ao teu lado, e no mar em que nadamos navega-se ao tacto e à vista, porque na verdade interessa menos onde estamos e onde vamos do que o facto de irmos juntos."


A falta e a saudade que eu tinha de falar por palavras, que não minhas, mas que dizem o que gostaria de dizer. Assim.