Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

25 maio 2015

Dia comprido, complicado e cansativo. Uma conversa difícil onde temos de dizer coisas que têm de ser ditas a pessoas de quem até gostamos, que apreciamos, que têm idade para ser mais que meu pai, um senhor à antiga, a quem me custou ouvir certas coisas, mais ainda ter de responder e não admitir que se passem certos limites. Custa, ainda que tenha de ser. Infelizmente as pessoas têm de perceber, ou ser relembradas, do que às vezes esquecem, e não, não basta pedir desculpa. A desculpa é uma emenda esfarrapada que nada remenda, e a mim já quase só desconcerta, depois de anos a ouvir pedidos de desculpa que se repetiam e reincidiam. Desculpa não é borracha. E depois duma certa altura passa a ser nada, mesmo. Depois outra conversa complicada, dura, onde tem de ser duro para que não nos tentem pisar. Enfim, complicações e trabalho a mais, sobra tudo menos paciência e vontade. E depois fica-se aqui, a rever o dia à espera de o espremer e deixá-lo ir com o sumo das palavras, tentando não engolir o veneno, mas apenas passar-lhe ao lado, deixá-lo escorrer para que a terra o beba, não eu. Venenos outros também não faltam, há veneno a mais no mundo e raros os antídotos. Os únicos que conheço são os afectos, o amor nas várias formas e reflexos, do fraterno, à amizade, à paixão, e as coisas que nos dão prazer fazer - ler, uma boa esplanada, um copo de vinho, a lua à noite, uma conversa quente ou animada, séria ou apenas parva de rir à gargalhada... coisas boas que nos queimam o veneno dos dias, ou, não o queimando, anulam-lhe os efeitos. Preciso de antídotos, muito e rápido.
(e agora música, caminho e pôr do sol. às vezes também é antídoto...)
... Que belo relógio, sim senhor!! 
Nada como um relógio destes para começar assim o dia a qualquer hora...
Mesmo tendo de ir trabalhar assim é outra loiça, sempre se está atrasado com estilo... E boas razões. Não como eu, que vontade (de trabalhar, entenda-se) não tenho nenhuma... Nem com pequeno almoço na varanda a ver o sol a coisa melhora, não me apetece, que fazer?? Ir, pois é. Mas primeiro o pequeno almoço na varanda e pensar uns disparates... Também não sei fazer mais nada, só pensar e dizer disparates... E ser má, claro, já me esquecia...

Bom dia
Aqui sentada no degrau da varanda vejo a lua à minha frente, já baixa, agora a precisamente dois dedos acima da linha dos telhados. O vento sopra e as árvores dançam nas suas folhas. Não gosto de vento, nunca gostei, dá-me medo. Faltam-me asas para navegar o vento e, ainda que tantas vezes possa não parecer, gosto de ter os pés no chão, gosto é de escolher esse chão, esse que piso, que leva onde eu quiser ir, se souber lá chegar. Pisar com convicção o caminho, pisar com o calcanhar na vontade de chegar, mas de gostar do caminho. Gostar de o fazer, de saber que tantas vezes só teremos o caminhar o caminho e que talvez nunca cheguemos onde sonhamos, mas pelo menos vamos gostando de caminhar, vemos a lua e medimos a distância que tem aos telhados deste meu horizonte com dois dedos, dois dedos onde não cabe a minha mão, que me cabe no bolso. Até parece que a lua me podia caber no bolso para levar no caminho... Mas o horizonte, o horizonte cabe-me no olhar, às vezes não sei é se o olhar cabe todo no horizonte. E o vento uiva por entre as folhas e eu tenho medo, não tenho as asas que tem o meu olhar. Se calhar devia ter medo do meu olhar. Não tenho.