Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

22 agosto 2012

Apanhei esta música hoje à tarde no meu ipod em aleatório e hoje caiu-me particularmente bem, encaixou tão bem que ouvi várias vezes seguidas... I´ve got you under my skin... que agora está mais queimadinha... tostadinha, como diria alguém...
(o tipo é giro, que é, e tem charme, que tem, e toca uma coisa que eu gosto de o ouvir tocar, que gosto... mas aquela gaja tinha de ser tão gira e ter AQUELA voz de veludo ou sei lá de quê??? Parvalhonaaaaa... mas se não a virmos e ouvirmos só é bom.... Parvalhona!! deviam ser proibidas estas gajas aí à solta)

21 agosto 2012

Gosto da parte do "és minha"... gosto muito. Não que ache que as pessoas possam ter posse de outras, de alguém, porque não acho. E acho que nunca tratei assim ninguém. Pelo contrário, sou pela liberdade. Só fica quem quer, quem gosta e quer ficar, e talvez por isso, acho que não seria capaz de dizer "és meu", aliás, nunca disse, até porque nunca tomei ninguém por garantido. Mas adorava que me dissessem "és minha" porque não implica qualquer sentimento de posse meu e dá-me o sentimento de pertença. E é isso, esse sentimento de pertença, que acho que andei a vida toda atrás. Um sentimento de pertença por afinidade, por cumplicidade, por intimidade, por amor, por desejo.
(há bocado pus o excerto e fiquei a pensar naquele primeiro no banho, e é isto, acho que é por isto que gosto do "és minha"... também gosto quando é "anda cá que és minha"...)
"Se daí te mandarem para outro convento mais longe, avisa-me, que eu irei, sozinho ou acompanhado, roubar-te ao caminho. É indispensável que te refaças de ânimo para te não assustarem os arrojos da minha paixão. És minha!(...) Não sofras com paciência, luta com heroísmo. A submissão é uma ignomínia, quando o poder paternal é uma afronta."

"Passou-lhe na mente, sem sombra de vaidade, a conjectura de que era amado daquela doce criatura. Entre si dizia que seria uma crueza mostrar-se conhecedor de tal afeição, quando não tinha alma para lha premiar, nem para lhe mentir. Assim mesmo, bem longe de se afligir, lisonjeavam-no os desvelos da gentil moça. Ninguém sente em si o peso do amor que se inspira e não comparte. Nas máximas aflições, nas derradeiras horas do coração e da vida, é grato ainda sentir-se amado quem já não pode achar no amor diversão das penas, nem soltar o último fio que se está partindo. Orgulho ou insaciabilidade do coração humano, seja o que for, no amor que nos dão é que nós graduamos o que valemos em nossa consciência."

Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição

Tanta, tanta coisa certa... estou quase a acabar este também!!

16 agosto 2012

"Repugnava-me ver-te jogar, perseguia-te por esses salões rutilantes para te ver desfigurado, para tentar amar-te com moderação. Cheguei a desprezar-te, deixei de me suportar a mim mesma porque os meus sentimentos por ti eram, simplesmente, os meus sentimentos. O amor não tem portas que possamos abrir e fechar, nem passagens secretas para um sótão onde possamos fazer férias dele. "

"A verdade é que não há nada tão cruel como um amor perfeito. Passamos vidas inteiras a arranjar suspeitos, a confrontar testemunhas. Toda a gente sabe que ele aconteceu, mas ninguém o viu. Ninguém sabe descrever-lhe o rosto. Ataca sobretudo em horas ou pessoas de plena distracção, à revelia dessa confortável invenção humana a que chamamos razão. E ataca com escândalo."

"A paixão agita a economia do mundo; é a única falência de sucesso. Quanto mais perde, mais ganha. «Não te posso dar nada», dizíamos nós um ao outro depois de termos já dado tudo. Ladrão nenhum pode roubar-nos a dor de não podermos incarnar, fora do tempo e do espaço, nessa outra metade de nós."

"«Salvar não sei, senhora. Salvar só o feiticeiro da minha aldeia é que pode. Ou o Partido, se os deuses deixarem. Mas é preciso enterrar a vaidade do sofrimento primeiro. É preciso enterrar a vaidade do pensamento, também, que é a que custa mais a sair.»"

"Quando o Eduardo morreu, senti que me abriam o peito e me chupavam o sangue do coração, e as pessoas diziam: «Faz-te crescer». Quando a minha melhor amiga me traiu, levando com ela o hábito de confiar que eu trazia da infância, as pessoas diziam: «Faz-te crescer». Quando fiquei sem trabalho e sem amigos, e, ensurdecida pelo silêncio, telefonava a alguém, as pessoas do lado de lá da linha diziam: as pessoas diziam: «Faz-te crescer». Hoje sei que estou crescida: não tenho fé nem alegria nem confiança em nada do mundo."

"Hoje parece-me que até o desespero é difícil. Pelo menos é difícil seguir até ao fim um desespero inteiro."

"O Álvaro era, como de resto toda a gente, composto de peças soltas, um Lego permanentemente incompleto, abrigando possibilidades infinitas em permanente mutação. O Rui, pelo contrário, é aquilo a que dantes se chamaria um carácter. Sabe-se sempre o que ele pensa, mesmo nas escassas ocasiões em que ele se esquece de o dizer"

"Parece que nem consigo ter saudades do Rui; gosto de saber que ele existe, com o seu optimismo veemente, nalgum lugar. Mas é um lugar de visita, não um sítio onde a minha vida possa morar."

"Durante muito tempo pensei muito. O Álvaro foi a única pessoa capaz de me fazer deixar de pensar. (...) acho que estou a ficar saturada de brincar. Ou de pensar, que é a mesma coisa."

"Todos os erros da Terra se resumem a esta expressão rasa: evitação da vida."

"«O amor não se pode julgar. O amor não tem exterior.»"

"No cartão escrevi apenas estas palavras suas: «Vem para dentro de mim, não tenhas medo.» E ele veio, Jenny"

Inês Pedrosa, in Nas tuas mãos


E acabei o livro há pouco. Estive a reler algumas partes e deixo aqui algumas delas. Todas me fizeram parar. Todas me fizeram pensar por diferentes razões. Todas me fizeram lembrar algo. Todas têm a ver comigo ou com o que penso. Mas aquela que eu acho que realmente me fez perceber como me vêem a mim é a que fala de não ter saudades, de eu ser só uma espécie de lugar de visita. Faz todo o sentido.
Agora é escolher o próximo. Não é fácil, mas fosse tudo tão difícil como escolher este próximo.

15 agosto 2012

-Gostava de estar aqui, assim, perto. A Eva a ler ou a fazer qualquer coisa e eu aqui, perto, a olhar para si sem saber, e a fazer alguma coisa também . E de vez em quando uma festa, um beijo, uma conversa. Eu gostava disso, e lembro-me disso muitas vezes. Era isso que eu queria.

( lembrei-me disto agora, não sei porquê. Não sei se as palavras foram exactamente estas mas a ideia sei de cor que era. E eu ouvia estas coisas e só pensava mas então porque não estás? então porque não fazes alguma coisa para estar?? porque nunca fizeste? e porque o dizias e parecia ser verdade? Só para agora me lembrar disso? Só para afundar um bocadinho mais a dimensão da incompreensão? Não te cobro nada do que me disseste, nada, nem isto nem outras coisas que me disseste ao longo dos tempos, eu só não percebo. E não percebo porque sempre acreditei em ti, porque sempre achei que sentias o que dizias. E se fosse assim estavas aqui ou a vir para aqui. Nada me apetecia mais do que estar ao teu colo a namorar. Deve ser por isso que me lembrei disto. E porque devo ser masoquista.)

13 agosto 2012

"Estou na ponte"
"Eu estou no sofá"
"Um  dia trocamos"

Sim, um dia trocamos, eu estarei na ponte e tu estarás no sofá, só não neste, nem à minha espera, como eu sempre estava.
Sinto falta também destas brincadeiras, das mensagens, das gargalhadas que te conseguia provocar. 
E por estranho que pareça, a minha única terapia, e o meu único consolo, tem sido este, escrever o que me passa na cabeça como quem fala contigo, ainda que sabendo que já não estás desse lado. Ainda que escreva apenas para me tentar expurgar das coisas, porque do outro lado já não há voz, já não há nada. Mesmo que me lembre de quando me disseste que não me esquecerias nem em 20 anos. Tens uma qualquer fixação com o número 2, ou são 2 meses quando te perguntava certas coisas, sempre com a mesma resposta dos 2 meses, como chegam 2 meses para achares que tudo seria passado, como bastaram 2 semanas para isso ser verdade para ti. Passado.
Eu pergunto-me onde estarei, como estarei daqui a 2 anos, e tenho medo da resposta.
"«Não precisa dessas roupas para nada, avó», disse a Natália, e saiu zangada comigo. Como explicar-lhe que só preciso do que não serve para nada? Ela nunca compreenderia. Casou-se com um rapaz que lhe serve para tudo. Dividem a prestação da casa comum e dos automóveis individuais, ele cozinha e ela arruma a loiça na máquina de lavar, apoiam-se mutuamente em épocas de crise, gostam dos mesmo filmes, livros e discos, e sobretudo, garante ela, «cada um respeita o espaço do outro».
   Se não fosse a Natália, e se não fosse uma heresia, teria dito «Ámen» quando ela veio, eufórica, debitar-me esta lista de vantagens e convidar-me para o casamento. mas só me ocorreu perguntar-lhe se estava apaixonada por ele. Riu-se de mim. Fez-me uma festa na cara, mas riu-se de mim, e explicou-me que hoje as mulheres já não são tão tontas que se casem por paixão. Disse-me que está estatisticamente provado que os casamentos por paixão acabam ao fim de poucos anos. 
(...) Queria lembrar-lhe as noites que passei a limpar-lhe as lágrimas e a ouvi-la falar do Álvaro, por causa da condescendência com que ela me passara os dedos pelo rosto. Queria lembrar-lhe as vezes em que me confessara: «Preciso de sentimentos à antiga, Jenny, com maiúsculas, leis e provas de passagem!» Tinha saudades dessas noites em que ela me falava do amor dos homens numa linguagem que eu podia entender, sem entrosamentos nem estatísticas."

"Mudava o riso em lágrimas em menos de um segundo. Passei anos a temer que esse excesso de nascença lhe rasgasse a vida em pedaços. "

"Não tinha medo de se perder; sabia que é esse o preço da inquietação."

Inês Pedrosa, in Nas tuas mãos

12 agosto 2012

"O abandono não é um acto de vontade mas uma consequência do esquecimento, meu amor."

"O amor, Camila, consiste na divina graça de parar o tempo. E nada mais se pode dizer sobre ele".

"Contudo, nunca nos tornámos íntimas. Aliás, eu enchia a casa de amigos precisamente para afastar todas as hipóteses de intimidade. Sobretudo, para pulverizar a vossa intimidade. Ou antes, para que aquela festiva multidão de estranhos me oferecesse a ilusão de ser tua mulher." 

Inês Pedrosa, in Nas tuas mãos
E aqui ficam para vosso deleite algumas passagens, para além daquelas que já fui pondo aqui, que não me passaram ao lado  (e assim também ficam registadas para me facilitar o meu regresso a elas..):

" Vão para lá de nenhuma parte, dando o vindo por não ido, à espera do adiante."
"E me olhou fundo, com serenidade que só a tristeza pode conceber. Seus olhos tinham modos menineiros de quem não nasceu para aprender as manhas de ser feliz."
"Então, ele me confessou estranhas coisas. Disse que havia duas maneiras de partir: uma era ir embora, outra era enlouquecer. Meu pai escolhera os dois caminhos, um pé na doideira de partir, outro na loucura de ficar." 
" não inventaram ainda uma pólvora suave, maneirosa, capaz de explodir os homens sem lhes matar. Uma pólvora que, em avessos serviços, gerasse mais vida. E do homem explodido nascessem infinitos homens que lhes estão por dentro." 
"(...) Tudo o resto se passou em silêncio como se perto já não se escutassem. O amor que trocaram é assunto para duas vidas inteiras, abandonadas para sempre num barquito sem rumo." 
"Entrei, perturbabado, ardendo de intenção. Juntei-me a ela, chegadinho, fosse confiar-me um ilegítimo segredo. Ela se prumou, face a face. Nos olhámos como se reconhecêssemos, no outro, o único ser da terra. Eu para mim, me garantia: não chegava uma vida inteira para contemplar aqueles olhos. Cinzas, se nos olhos dela dormitavam, em brasas se acenderam." 
"Farida me dera um novo gosto de viver. Até ali me distraíra nesse estar contente sem nenhuma felicidade. Depois de Farida me tornei encontrável, em mim visível." 
"Minha única posse era o medo. (...) Quem vive no medo precisa um mundo pequeno, um mundo que pode controlar." 
"(...) tinha de haver guerra, tinha que haver morte. E tudo era para quê? Para autorizar o roubo. Porque hoje nenhuma riqueza podia nascer do trabalho. Só o saque dava acesso às propriedades. Era preciso haver morte para que as leis fossem esquecidas. Agora que a desordem era total, tudo estava autorizado. Os culpados seriam sempre os outros." 
"Depois, me empurrou com suavidade. Mas eu resisti, me demorando junto dela. Assim, de face em riste, ela me surgia exclusivamente única, triste como pétala depois da flor. Meu peito se encheu. Eu sei que em cada mulher a gente lembra outra, a que nem há. Mas Carolinda me entregava essa doce mentira, o impossível cálculo do amor: dois seres, um e um, somando o infinito. Se aproximou e me acariciou os braços, ali onde as cordas me doeram. A cintura de suas mãos me afagavam, em suave arrependimento. Aquele momento confirmava: o melhor da vida é o que não há-de vir."

Mia Couto, in Terra Sonâmbola

11 agosto 2012

Acabei de me lembrar duma frase que me disseste, e odeio-te agora um pouco por ma teres dito, e a mim mais por a ter ouvido, ter percebido, mas achar que eras mais tu a falar sozinho, e a diminuir-te. Não era. Eras tu a constatar um facto, e a incluir-te nele, ainda com a tua pele quente encostada à minha, ainda tu em mim. 
" Não há ninguém nesta cidade, eu pelo menos não conheço, que esteja à tua altura."  
Não vou apequenar-me para servir a ninguém, não espero que ninguém se acrescente para me chegar. 
Isso não é amar, mas tu, de amar, nada percebes. Nunca percebeste. Pelo menos do que eu entendo por amor. Nem falo do facto de não me amares a mim, mas de não amares verdadeiramente ninguém. Este episódio, de que me lembrei agora de repente, ao fechar a luz da cozinha, mostra-o, mais, comprova-o. Infelizmente. Porque a maneira como parecias amar-me fazia-me feliz. Mas o amor, a existir, não permite episódios destes.
Acabei o livro. Não gosto geralmente de livros demasiado fantasiosos, pouco reais. Este, no entanto, compensou-me largamente esse não gostar, pela escrita de Mia Couto. Uma linguagem quase infantil, uma língua doce que mostra tanta crueldade também. Porque a infância é também muitas vezes cruel, dura e triste, ainda que doce, como a vida, aliás. A história de um país, de uma guerra, que não é mais guerra, mas só um caminho sem norte. Caminho que vai mudando a partir de ruínas sempre estanques. Viagens nas várias personagens que vão aparecendo, viagens nas lendas populares, sonhos e realidade misturada. Mas o que mais vale a pena ler é o que não está escrito, e que nos passa nas frases e passagens monumentais de Mia Couto, que na simplicidade desfere os maiores golpes, numa lucidez brilhante de tantas vezes desconstruir o óbvio.
Frases que me ficaram como:

"melhor ideia é aquela contra cujos argumentos não há factos."
(a frase não é assim mas a ideia é, e o avesso da frase cliché). A ideia sai impune. Verdade.

"o destino o que é senão um embriagado conduzido por um cego?",

" nunca vi dança com tanto corpo como o daquela mulher",

ou a "festa é a tristeza a fazer o pino."
e esta é tão, mas tão, verdade, que me fez rir e reconhecer-me tantas vezes, que me fez parar de ler um bocadinho.

Tenho o livro todo marcado com passagens que quero reler, como tenho feito com os livros que tenho lido ultimamente. Gosto de no fim me despedir do livro revendo o que mais me marcou, e que deixei marcado no livro, para mais tarde reler com calma, para mastigar ideias e deixar viagens cruzarem-se, e irem-se desembrulhando em mim. Depois selecciono algumas para partilhar aqui. 
Agora tenho de escolher a próxima vítima... logo à noite, talvez.
"-Por que estás tão reduzido, filho?
-É que trago um desgosto de mulher.
-Isso não tem remédio, filho. Eu sei muito bem. Porque eu vivi num tempo em que o amor era uma coisa perigosa. Tu vives num tempo em que o amor é uma coisa estúpida. "

Mia Couto, in Terra Sonâmbola
"Mulheres é bom quando não há amor, disse. Porque o amor é esquivadiço. A gente lhe monta casa, ele nasce no quintal."

Mia Couto, in Terra Sonâmbola

09 agosto 2012

"Quem dorme no colo de outro perde a alma, dizia. Os sonhos não encontram os respectivos donos quando homem e mulher dormitam entrelaçados."

Mia Couto, in Terra Sonâmbula

Por isso eu desalmada. Está explicado.

08 agosto 2012

As mulheres têm fios desligados - António Lobo Antunes


Há uns tempos a Joana
- Pai, acabei um namoro à homem.
Perguntei como era acabar um namoro à homem e vai a miúda
-Disse-lhe o problema não está em ti, está em mim.
O que me fez pensar como as mulheres são corajosas e os homens cobardes. Em primeiro lugar só terminam uma relação quando têm outra. Em segundo lugar são incapazes de
- Já não gosto de ti
de
- Não quero mais
chegam com discursos vagos, circulares
- Preciso de tempo para pensar
- Não é que não te amo, amo-te, mas tenho de ficar sozinho umas semanas
ou declarações do género de
- Tu mereces melhor do que eu
- Estive a reflectir e acho que não te faço feliz
- Necessito de um mês de solidão para sentir a tua falta
e aos amigos
- Dá-me os parabéns que lá me consegui livrar da chata
- Custou-me mas foi
- Amandei-lhe daquelas lérias do costume e a gaja engoliu
- Chora um dia ou dois e passa-lhe
e pergunto-me se os homens gostam verdadeiramente das mulheres. Em geral querem uma empregada que lhes resolva o quotidiano e com quem durmam, uma companhia porque têm pavor da solidão, alguém que os ampare nas diarreias, nos colarinhos das camisas e nas gripes, tome conta dos filhos e não os aborreça. Não se apaixonam: entusiasmam-se e nem chegam a conhecer com quem estão. Ignoram o que ela sonha, instalam-se no sofá do dia a dia, incapazes de introduzir o inesperado na rotina, só são ternos quando querem fazer amor e acabado o amor arranjam um pretexto para se levantar
(chichi, sede, fome, a janela de que se esqueceram de baixar o estore)
ou fingem que dormem porque não há paciência para abraços e festinhas,
pá, e a respiração dela faz-me comichão nas costas, a mania de ficarem agarradas à gente, no ronhónhó, a mania das ternuras, dos beijos, quem é que atura aquilo? Lembro-me de um sujeito que explicava
- O maior prazer que me dá ter relações com a minha mulher é saber que durante uma semana estou safo
e depois pegam-nos na mão no cinema, encostam-se, colam-se, contam histórias sem interesse nenhum que nunca mais terminam, querem variar de restaurante, querem namoro, diminutivos, palermices e nós ali a aturá-las. O Dinis Machado contava-me de um conhecedor que lhe aclarava as ideias
- As mulheres têm fios desligados
e um outro elucidou-me que eram como os telefones: avariam-se sem que se entenda a razão, emudecem, não funcionam e o remédio é bater com o aparelho na mesa para que comecem a trabalhar outra vez. Meu Deus, que pena me dão as mulheres. Se informam
- Já não gosto de ti
se informam
-Não quero mais
aí estão eles a alterarem a agressividade com a súplica, ora violentos ora infantis, a fazerem esperas, a chorarem nos SMS a levantarem a mãozinha e, no instante seguinte, a ameaçarem matar-se, a perseguirem, a insistirem, a fazerem figuras tristes, a escreverem cartas lamentosas e ameaçadoras, a entrarem pelo emprego dentro, a pegarem no braço, a sacudirem, a mandarem flores eles que nunca mandavam flores, a colocarem-se de plantão à porta dado que aquela puta há-de ter outro e vai pagá-las, dispostos a partes-gagas, cenas ridículas, gritos. A miséria da maior parte dos casais, elas a sonharem com o Zorro, com o Che Guevara ou eles a sonharem com o decote da vizinha de baixo, de maneira que ao irem para a cama são quatro: os dois que lá se deitam e os outros dois com quem sonham. Sinceramente as minhas filhas preocupam-me: receio que lhe caia na sorte um caramelo que passe à frente delas nas portas, não lhes abra o carro, desapareça logo a seguir por chichi-sede-fome-persiana-mal-descida-e-os-ladrões-percebes, não se levante quando entram, comece a comer primeiro e um belo dia
(para citar noventa por cento dos escritores portugueses)
- O problema não está em ti, está em mim
a mexerem na faca à mesa ou a atormentarem a argola do guardanapo, cobardes como sempre. Não tenho nada contra os homens: até gosto de alguns. Dos meus amigos. De Shubert. De Ovídio. De Horácio, de Virgílio. De Velásquez. De Rui Costa. De Einzenberger. Razoável, a minha colecção. Não tenho nada contra os homens a não ser no que se refere às mulheres. E não me excluo: fui cobarde, idiota, desonesto.
Fui
(espero que não muitas vezes)
rasca.
Volta e meia surge-me na cabeça uma frase de Conrad em que ele comenta que tudo o que a vida nos pode dar é um certo conhecimento dela que chega tarde demais. Resta-me esperar que ainda não seja tarde para mim. A partir de certa altura deixa-se de se jogar às cartas connosco mesmos e de fazer batota com os outros. O problema não está em ti, está em mim, que extraordinária treta. Como os elogios que vêm logo depois: és inteligente, és sensível, és boa, és generosa, oxalá encontres etc., que mulher não ouviu bugigangas destas? Uma amiga contou-me que o marido iniciou o discurso habitual
- Mereces melhor que eu
levou como resposta
- Pois mereço. Rua.
Enfim, mais ou menos isto, e estou a ver a cara dele à banda. Nem uma lágrima para amostra. Rua. A mesma lágrima para amostra. Rua. A mesma amiga para uma amiga sua
- O que faço às cartas de amor que me escreveu?
e a amiga sua
- Manda-lhas. Pode ser que lhe façam falta.
Fazem de certeza: é so copiar mudando o nome. Perguntei à minha amiga
- E depois de ele se ir embora?
- Depois chorei um bocado e passou-me.
Ontem jantámos juntos. Fumámos um cigarro no automóvel dela, fui para casa e comecei a escrever isto. Palavra de honra que na janela uma árvore a sorrir-me. Podem não acreditar mas uma árvore a sorrir-me.

António Lobo Antunes, in Crónicas, Visão 31//2008

Mas será tão complicado, difícil, ser honesto? sincero? Dizer não gosto de ti, não gosto mais de ti, não quero continuar contigo. Não te quero. Dizer a alguém que é isto aquilo, e mais umas botas, que é especial, vejam lá, especial!!! Que somos melhores que eles, que eles não nos merecem, que nós merecemos melhor... e bla bla bla, mas olha vou-me embora, mas o problema sou eu, não és tu!!...Não seria mais fácil dizerem: não gosto de ti, não me serves, não sou feliz contigo, e pronto? Já que acham que choramos um dia ou dois, e depois tudo é passado, ao menos que nos brindem com a verdade, porque é mais fácil de entender e digerir.
Não percebo.
A sério que não, será melhor mentir para quê? Ganham o quê com isso, é mais fácil em quê?
e onde está a dificuldade.
Post de 8/8/2012
 
[post antigo, repescado hoje quando fiz a pesquisa do Joseph Conrad aqui nos escritos do blog. Post sempre actual, intemporal.  Continuo sem entender...]

(música que calhou nos phones quando comecei hoje na passadeira... tive de me rir, o aleatório do ipod deve ter um bug...de bruxedo)

Ainda bem que não gosto de coisas fáceis... é estranho...

04 agosto 2012


Estive  a tarde toda a ouvir música deste senhor... e esta podia ser eu, ou gostava de ser assim para alguém, é mais isso.
E há pouco tempo escrevi uma coisa parecida com o que a letra da canção diz, e passei a adorá-la e a achar que sim, que era bom alguém gostar assim de mim, ouvir e identificar-me nesta letra. 


Durante o banho lembrei-me quando uma vez numa tarde numa esplanada me disseste:
"- Sua parva, sabia que eu agora até de sua casa tenho saudades?
 - Hummm pois de mim é que nada!!.. bonito!!"
( e eu não tenho jardim, nem lamparinas e só tenho um apartamento com uma varanda que só quase dá para dois jantarem nos dias de sol e noites estreladas...pode ser que um dia tenha jardim e uma casa e não tenha vontade nenhuma de jantares a dois.. talvez aí esteja melhor que hoje)

E lembro-me assim destas coisas sem jeito nenhum, como da procissão que apanhámos depois quando saíamos de lá e fomos na fila de carros a mandar mensagens igualmente parvas e a rirmo-nos. 
(eu tenho de passar a tomar banhos mais rápidos, porque deixar de tomar talvez não seja boa ideia...mas lembrar-me destas coisas também não...)

03 agosto 2012

E esta é a previsão para logo à noite... 
muito bom enquanto o pessoal anda aí todo a curtir eu fico a moê-las e a moer-me...
que bom programa...mal posso esperar!!!


Quando o dia entardeceu
E o teu corpo tocou
Num recanto do meu
Uma dança acordou
E o sol apareceu
De gigante ficou
Num instante apagou
O sereno do céu
E a calma a aguardar lugar em mim
O desejo a contar segundo o fim.
Foi num ar que te deu
E o teu canto mudou
E o teu corpo do meu
Uma trança arrancou
O sangue arrefeceu
E o meu pé aterrou
Minha voz sussurrou
O meu sonho morreu
Dá-me o mar, o meu rio, minha calçada.
Dá-me o quarto vazio da minha casa
Vou deixar-te no fio da tua fala.
Sobre a pele que há em mim
Tu não sabes nada.
Quando o amor se acabou
E o meu corpo esqueceu o caminho onde andou
Nos recantos do teu
E o luar se apagou
E a noite emudeceu
O frio fundo do céu
Foi descendo e ficou

Mas a mágoa não mora mais em mim
Já passou, desgastei, p’ra lá do fim
É preciso partir
É o preço do amor
P’ra voltar a viver
Já nem sinto o sabor
A suor e pavor
Do teu colo a ferver
Do teu sangue de flor
Já não quero saber…

Dá-me o mar, o meu rio, a minha estrada,
O meu barco vazio na madrugada
Vou-te deixar-te no frio da tua fala
Na vertigem da voz quando enfim se cala.


[Lindo...adoro esta música e estava a dar no rádio há pouco...a letra é de nos deixar sem palavras]

02 agosto 2012

E eu que não sabia que era uma Whisky girl... normalmente é mais vodka, 
ou vinho à refeição, e depois dela, à conversa... as coisas que uma pessoa fica a saber...
(já que a maria c. não me deixa fazer asneiras, e bem, tenho de me contentar com estas coisas... se eu pudesse fazer asneiras ficava melhor, ahhhh ficava.. por alguma razão não querem nada comigo...bahhh 
gajos giros é uma dor de cabeça, é o que é...)

01 agosto 2012

Tinha acabado de sair do banho há pouco, estava a pentear-se em frente ao espelho baço, pensava no que havia de fazer, não queria ficar em casa, não lhe apetecia sair, não lhe apetecia nada. Enfia uma camisola depois de se resignar a não sair. Tinha acabado de a vestir quando tocam a campaínha, estranhou, não esperava ninguém. Ultimamente nunca esperava ninguém, nunca chegava ninguém, com aviso, ou sem ele. Culpa dela também, que nunca lhe apetecia coisa nenhuma. Ainda no corredor pergunta quem é, do outro lado respondem "não sei se queres saber..." e ela em frente à porta. Estancou. O coração parou. Não sei quanto tempo passou, não sei quantas batidas o coração falhou para logo a seguir se redimir disparado a bater desenfreado. Aquela voz. Não pensou. Abriu. Ele entrou depressa e fechou a porta atrás dele, parecia ter medo que mudasse de opinião, que tivesse tempo para pensar, ou dizer, alguma coisa. Olharam-se, olhos na alma do outro. Ela fez meio encolher de ombros, como alguém que não entende, que nem sabe o que está acontecer, de quem não está a acompanhar a velocidade do tempo, e da situação. Ele, ali à frente dela?? estaria doida? Como? Porquê? Ele respondeu com meio sorriso, passou-lhe a mão pelo cabelo molhado, agarrou-a pela nuca com firmeza e carinho ao mesmo tempo, naqueles gestos que confundem uma mulher, mesmo que não esteja já confundida de todo, ela reconheceu o toque e o peso das saudades daquelas mãos nela. Beijou-a, primeiro com meiguice, com ternura carregada de saudade, para logo depois a apertar contra si pela cintura, com avidez, com a força do desejo tanto tempo trancado. Atacou-a. Literalmente. E ela a ele, até a racionalidade a atacar de rompante, o fazer afastá-lo por momentos, e perguntar 
"o que raio estás aqui a fazer? Não tinhas ido embora? Há quase um ano? Não disseste que era isso que querias?? Que não podia ser? Que não sei o quê? O que queres afinal?" 
Ele puxa-a e responde munido de sorriso de miudo traquina, a sua melhor arma,
"dantes eras mais esperta... ainda não percebeste? quero-te..." 
" a mim? ao meu corpo? as tuas saudades não são de mim... nem olá, nem perguntar por mim nem coisa nenhuma!!"
Desencosta-se dela, cai-lhe um véu no rosto que o altera radicalmente, põe os olhos no chão, o sorriso some-se, e diz 
"tens razão desculpa, fui bruto se calhar, desculpa"
Calam-se os dois, e o silêncio ali não cai bem, não encaixa neles, como a distância não cabe entre eles.
"Oh meu grande parvo, isso é que são saudades? vontade? tu não sabes calar uma mulher quando ela começa a dizer disparates?? Já não há homens como antigamente, capazes de um bom encosto, e pronto... tótó!!"