Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

13 setembro 2014

"Havia uma barreira a separá-la delas. Falavam uma língua diferente, não só com a voz, mas também com o coração."

Somerset Maugham, in Véu Pintado

[dito duma maneira tão simples o que às vezes é tão difícil de explicar...]
"De um momento para o outro, agigantando-se no meio da neblina e tocado aqui e ali por um raio de sol, surgiu um aglomerado de telhados verdes e amarelos. Pareciam enormes e era impossivel divisar-lhes um padrão; a ordem, se é que ordem havia, escapava aos sentidos; eram irregulares e extravagantes, mas de inimaginável riqueza. Não se tratava de nenhuma fortaleza nem de um templo, mas sim de um palácio mágico de algum imperador dos deuses onde nenhum homem podia entrar. Era demasiadp grácil, fantástico e imaterial para ser u trabalho executado por mãos humanas; era uma construção retirada de um sonho. (...) A Beleza estava ali e ela guardou-a como o crente guarda na boca a hóstia que é Deus.
(...)
A luz intensa do meio dia roubara todo o mistério ao palácio mágico, que agora não passava de um templo na muralha da cidade, aparatoso, mas decadente. No entanto, e porque o tinha visto uma vez em tal extase, nunca mais poderia ser para ela apenas trivial; e muitas vezes, de madrugada ou ao crepusculo ou de novo à noite, sentia-se capaz de reassimilar alguma dessa beleza."

Somerset Maugham, in O Véu Pintado

[Realmente se calhar há coisas que uma vez vistas e entendidas com tal beleza nunca mais podem ser olhadas completamente desprovidas desse encanto que nos tocou. Por muito, e mais repetidas vezes, que depois vejamos as mesmas coisas de outra maneira, como o que são de facto, e não como parte de um qualquer sonho que nos roubou de nós, que nos extasiou e prendeu, há sempre algo em nós que faz reluzir a antiga luz que brilhou em nós ou que nós fizemos brilhar. Há sempre alguma coisa extraordinária que fica do que nós apreendemos como a Beleza. Sejam palácios mágicos ou pessoas que nos fizeram sentir a magia da vida.]


" Não faz nem um mês eu disse aqui que a melhor desculpa de uma mulher que está sozinha é que não tem homem no mercado. É muito boa. Mas tem uma que disputa à faca o primeiro lugar: estou sozinha porque os homens têm medo de mulheres independentes.
Uma ova.
E posso afirmar: a cada minuto que você reclama, tem outra mulher também independente e bem sucedida – mas muito mais esperta do que você – sendo bem sucedida na dança do acasalamento. E você aí, sozinha no bar com as suas amigas independentes, com suas bolsas caras, indo dormir sozinhas, reclamando da morte da bezerra e dos homens. Aqueles ingratos.
Não sei de onde tiraram essa ideia de que a vida só mudou para as mulheres. Não é possível que a gente acredite mesmo que fomos criadas para ganhar o mundo, estudar, disputar vagas de trabalho, fazer o imposto de renda, encarar hora extra, sair sozinha com as amigas, e que ninguém contou nada aos homens. Enquanto isso, os pobres empacaram no tempo e, portanto, hoje temos que conviver com trogloditas que ainda esperam casar com a dona Baratinha.
Tenho um irmão 11 meses mais novo do que eu. Crescemos na mesma casa, com os mesmos pais. Nós dois vimos minha mãe trabalhar a vida inteira, chegar em casa muitas vezes depois de todo mundo, dividir as contas da família no papel, fazer uma comida mais ou menos, viajar sozinha no Carnaval porque meu pai sempre detestou os dois.
Saídos da mesma fôrma, eu ganhei o mundo. Meu irmão casou antes dos 20 anos. Não estou contando nenhuma história que não seja a mesma de quase todo mundo que eu conheço. Esse discurso de que os homens não estão preparados para essa nova mulher seria revolucionário na época da minha avó, que se separou aos 50 anos, decidiu aprender a dirigir, fez vestibular para educação física e foi procurar emprego – porque, até então, o único duro da vida da dona Dorah tinha sido criar quatro filhos. Talvez tenha ficado mal falada na cidade. Mas era a minha avó, no tempo da minha avó.
Essa ladainha em 2014 não dá.
Quando é que a gente vai cansar de se fazer de vítima e parar de encarar os homens como incapazes? Se a gente se adaptou aos novos tempos, eles também. Ainda precisamos de ajustes aqui e ali, mas está tudo bem.
Eu não convivo com homens despreparados para essa nova mulher que sou eu, você e quase todo mundo. Tenho amigos homens, e eles querem, sim, mulheres parceiras e não dependentes. Choram no meu ombro por causa de pé na bunda. Reclamam de mulher que não vale nada. Ficam perdidos sem saber como agradar essa fulana que, na verdade, não sabe o que quer porque cresceu acreditando que pode querer tudo. E pode. Só deveria parar de encher o saco.
Fizemos as nossas escolhas, eles fizeram as deles. Nenhuma mulher é igual. Assim como qualquer cara pode vir com mil variações do que a gente aprendeu a conhecer por macho. Tem todo tipo por aí. Mas com todos os requisitos que a tal nova mulher – que de nova não tem nada – quer, não sobra um na face da terra que baste.
Inteligente. Óbvio. Antenado. Com certeza. Remediado. Tem remédio? Fodão. O tempo todo. Bem humorado. É o mínimo. Frágil. Nem pensar. Imaturo. Socorro. Machista. Deus me livre. Glúten free. Pra quê? Fiel. Possível. Rico. Com a graça de deus. Comprometido. Por que não?
Esqueça.
Eu agradeço por nunca ter tido um único namorado que não me quisesse da forma como eu fui criada. Ganho o meu dinheiro, bebo uísque, gosto de futebol, dirijo super bem, cuido do meu imposto de renda sozinha. Sei pregar botão, ainda que torto, não sei nem por onde começa a receita de suflê de cenoura, só vou ao supermercado pra comprar vinho e no dia em que tive que aprender a diferença de alvejante e água sanitária, dei um Google.
Compro bolsas caras, saio sozinha com as minhas amigas e nunca fui cobrada por ter que trabalhar domingo ou terça à noite. Neste momento em que escrevo e tomo vinho tem um cara lá na cozinha preparando o jantar. Um cara que me escolheu do jeito que eu sou, que vibra com as minhas vitórias e me salvou de jantar miojo ou cerveja pelo resto da vida.
Meus pais nunca perguntaram quando eu iria casar ou quando lhes daria netos. Mas sempre torceram que eu encontrasse um companheiro para dividir a vida. Eles se orgulham muito do caminho que eu quis seguir e nunca me fizeram pensar que escolher ser bem sucedida significaria ser mal amada. Conheço uma penca de gente que tem os dois porque isso aqui não é uma competição. Todo mundo quer a mesma coisa. Eu, você, o Arthur, o Marco, o Fernando, o Rodrigo, o João, a Cris, a Camila.
Todo mundo quer um chinelo velho pro seu pé cansado. Quer sossegar o rabo num relacionamento feliz e cheio de cumplicidade, de parceria, de mãos dadas no cinema, de silêncios que signifiquem enfim sós.
Chega desse discurso de ser mal compreendida pelo mundo e pelo homens. Tem muita gente avulsa por aí. Dos dois lados, por inúmeras razões. Se você acredita mesmo que ninguém te quer porque é independente e porque os homens não sabem lidar com isso, só quero lhe dizer uma coisa: você está sozinha porque é chata.
Vou jantar, porque depois tem uma pia de louça me esperando. Justo."
Mariliz Pereira - roubado daqui

[eu sei que sou chata, não acho que esteja sozinha por ser independente, eu estou sozinha porque sou um bocadinho chata é verdade... não gosto de gajos que dizem/ escrevem "lol", ya, ou dizem 5 palavrões em cada 10 palavras (e olhem que eu também digo os meus, mas caramba...), ou que me dizem "eu preciso mesmo de arranjar uma namorada" ... hein??? WTF?? precisa? é para preencher cargo e não estar e aparecer sozinho?.... para mim não serve prefiro sozinha mesmo... sou chata é isso. sou chata e tenho essa noção de que não há homem no mercado, como diz a outra os homens são como os lugares de estacionamento, os bons estão ocupados e os livres que restam são para deficientes ou pessoas de mobilidade reduzida... que heiu-de fazer? e depois além disso souo chata e tenho a mania que para estar com alguém tenho de gostar da criatura, e mais dificil ainda ele tem de gostar de mim... para aquela coisa: "Todo mundo quer um chinelo velho pro seu pé cansado. Quer sossegar o rabo num relacionamento feliz e cheio de cumplicidade, de parceria, de mãos dadas no cinema, de silêncios que signifiquem enfim sós." - quero o "enfim sós" e almejar por isso durante o dia, e não fazer frete quando acontece... sou chata e esquisita, pronto.]
Hoje foi dia de ronha. De acordar, ficar na cama, acender a luz e ler um bocado, de fechar a luz e voltar a dormir. Assim sem horas nem pressas nem programas. Coisa boa, coisa muito boa. 
Agora estou aqui neste sítio em que me lembro de ter tido dos últimos momentos em que me senti quase namorada, de namoro bom, de cumplicidade brincada mesmo às nove da manhã, hora em que nesse dia vim aqui apanhar uma coisa para levar, e depois me disseram que tiveram vontade que entrasse e ficasse a namorar e a devorar essa coisa boa que se sente quando se está bem: o tempo. Agora o tempo parece não ter medida, mas também não tem pressa. Agora não há pressa de nada porque não queremos chegar a lado nenhum. Nem vontade de ter um lugar a que chegar. 
Vou tomar um café e ler mais um bocado na esplanada, afinal dizem-me rata de biblioteca, mas se calhar sou mais livro de esplanada, isso sim. E faço-o muito naturalmente (só não sei o quê... )
"Não era possível que desejasse mesmo a morte dela depois de a ter amado tão desesperadamente. Agora que ela sabia o que era o amor, recordava mil sinais de adoração que ele tinha por ela. Para ele, como na expressão francesa, ela comandava a chuva e o bom tempo. Era impossível que já não a amasse. Será que se deixa de amar um pessoa só porque se foi tratado de forma cruel?
(...)
A princípio pensava que tinha apenas de dar tempo ao tempo e que, mais cedo ou mais tarde, Walter lhe perdoaria. Confiara demais no poder que sobre ele exercia para acreditar que pudesse ter acabado para sempre. Nem todas as águas conseguiriam extinguir o fogo do amor. Ele seria fraco se a amasse e ela sentia que ele deveria amá-la. Mas agora já não tinha tanta certeza."

Somerset Maugham, in Véu Pintado

[...pois realmente acho que não há água que apague o fogo do amor, mas o que dá essa temperatura invencível ao amor é a consciência dele e a sua reciprocidade. É amar, saber que se ama realmente e muito (se é que pode haver isso de amar pouco, como se amar fosse relativo, quando afinal é um verbo tão absoluto... Mas a consciência desse absoluto é talvez isso que tento dizer aqui: a consciência dá até outra dimensão a essa ausência de relatividade, de mais ou menos, de talvez, de alternativa) e sentirmo-nos amados. E aqui digo sentirmo-nos e não sermos. Porque a realidade não é absoluta mas relativa a cada um. Se me sinto amada, na minha realidade sou amada. E se amo também o amor é pleno e forte e nenhuma água apaga esse fogo, como toda a escuridão do mundo não apaga a luz duma pequena vela (já aprendi esta...). Quando não há reciprocidade, ou quando ela não é a nossa realidade por não ser sentida, não há o poder que o amor exerce nas pessoas, e que tanta gente confunde como o poder de uma pessoa sobre a outra. Não, não é a pessoa, não é o outro, é o amor que se sente, é o que o outro nos faz sentir que nos deixa reféns, e que nos prende e tem poder sobre nós. Porque sim, o amor é egoísta, existe apenas para nos fazer sentir bem e plenos e felizes. A única particularidade do amor é fazer-nos sentir bem e plenos e felizes, através do outro, dele se sentir bem, pleno e feliz. É uma coisa egoísta que  nunca se consegue sozinho, e que  passa pelo bem estar de outro, como uma espécie de corpo condutor da nossa felicidade. Eu acho isto e penso isto assim, mas acho que ninguém entende isto. Ou muito poucos. Acham que alguém amá-los lhes dá poder sobre eles, e se não amam acho que chegam a "endeusar-se". Se amam, normalmente não percebem como são correspondidos, porque tornam o outro uma espécie de deus torto, de carne e osso, e defeitos vários, mas a quem dedicamos todas as preces não religiosas, como as atenções, os sorrisos, os beijos pequeninos e grandes, os carinhos, e as coisas que fazem a vida valer a pena. ]

"(...)
Sai dos teus sentidos, vai
até ao limite da saudade;
sê o meu corpo.

E por trás de cada coisa, arde em chamas
e que as sombras que se alastram
sejam a minha roupa.

Permite que tudo te atinja: a beleza e o terror.
Apenas tens de ir:
nada do que sintas será demasiado longe.
Não te deixes nunca separar de mim."
(...)

Rainier Maria Rilke