Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

02 abril 2015

Dia corrido, cansativo por um lado, benéfico por outro.
 Não há tempo para pensar o que não quero pensar.
Quando os dias têm pouco tempo a cabeça guarda-se para o que as mãos têm de fazer, deixam de contemplá-las vazias e famintas. Os olhos não procuram o céu embrulham-se nas coisas que lhes têm de sair dos dedos. Não pensam, apenas fazem, vão fazendo, ou fazendo que fazem, olham sem verem.
Agora vem a hora do cansaço, da viagem, da música, do anoitecer que se aninha nos ossos e prende o sorriso. Ontem a lua estava linda pendurada no céu limpo, hoje a esta hora deve estar a preparar-se para sair e iluminar quem lhe lança o olhar e o bebe de dentro dos olhos que vêem. 
Vou tentar não vê-la, esquivar-me, fazer que não a conheço, que nunca passei noites a olhá-la, a conversá-la ou mesmo a ignorá-la, quando estava tão bem que nem a lua me faltava para ver o luar mais límpido a iluminar-me a pele. Coisas que já não existem, e que não me quero lembrar. Julgo que nem aconteceram. Mas a viagem, e a música, e o cigarro do caminho, isso sim, vai acontecer. E agora, que hoje já chega.

... I'm not a cat person,
...que não sou, mesmo!
Mas pronto, uma pessoa tem de abrir algumas excepções, evitar regras quadradas e analisar caso a caso... e neste caso acho que conseguia fugir à regra... e adoptava um gato destes, bichinho (não animal, por favor, que de animais estou fartinha...) de estimação para tratar bem e dar mimos em troca duns ronronares quentes e enrolarem-se nas nossas pernas e afins... 

Bom Dia!

Hoje a noite não está fria e está calada; ouve-se aqui e ali um carro que passa, umas vozes ao longe, às vezes umas folhas secas que dançam na estrada. Houve alturas, há anos, em que eu sentava-me aqui e sentia-me estranha, estrangeira desta vida (como dizia Alejandra Pizarnik), como que imaginava, abandonando o corpo que me prende os olhos, a vista da cidade, de cima, de quem vê o conjunto, e imaginava cada casa, cada apartamento, cada luz ligada a iluminar os lares, várias pessoas, famílias, amigos, namorados, amantes, espalhados pela cidade em sítios habitados de vida. Depois via-me a mim, aqui, a pensar no conjunto e tão aparte do conjunto, sem sair dele. Dava-me uma sensação de triste estranheza, de angústia, mas nunca pensei em mudar que não fosse para melhor; para estar com alguém, com quem estando ao lado eu não me sentisse assim, a divagar pela cidade que imagino: habitada de gente que troca afectos, que conversa pensamentos ou tolices, que partilha vivências e vida. Sentada aqui penso que há muito não me ocorre o mesmo, não tenho a mesma sensação, e percebo que não foi a minha solidão que diminuiu, mas a deles que aos meus olhos aumentou. Já não vejo o mesmo imaginário que se abatia sobre mim. Parece-me haver gente a mais junta para tão pouca partilha, pouca distância medida a separar o que os afectos (ou a falta deles) não juntam. Só não sei se fui eu que deixei de acreditar nas pessoas, ou no que as pode ligar, ou se apenas agora a minha ideia - o meu imaginário do que seria a realidade - do que iluminavam as luzinhas da cidade, que se vêem nas casas que agora olho, desligou a luz da ilusão romântica. As pessoas estão juntas, tão lado a lado que se tocam, mas não estão perto vezes demais. A minha distância é sempre a mesma, e perto de mim não está ninguém. E eu sinto-me perto do que não está, nem toco. Não me sinto menos só mas, parece-me agora, que nisso não estou sozinha. Eu só o vejo e não o nego.

Boa noite