Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

13 setembro 2013


e tu sussurras:
- não, não afastes a boca da minha orelha.
derrama dentro dela aquilo que não consegues dizer em voz alta.

e eu digo:
- as tuas mãos queimam-me a fala.

tu sorris, dizes:
- vem, sem medo, pela aridez do meu corpo.

no fundo de mim existe um poço onde guardo a tua imagem. é tempo de ta devolver. é tempo de te reconheceres nela.

Al Berto


[é tempo... é tempo de ser tempo.]
Boa Noite

Hummmm... Isto deve ser um sinal...
Se calhar devia mesmo comprar um tapete... 
Eheheh
"(...) E demais a mais a gente vai-se habituando aos objectos e acaba por ter saudades deles quando desaparecem. Teria saudades do marido se ele desaparecesse? Julgou que sim, julgou que não, julgou que sim, cessou de julgar. Em trinta e seis anos o marido não desaparecera nunca e, portanto, seria pouco natural que desaparecesse agora, perto dos setenta. Para mais afigurava-se-lhe que de há semanas para cá ele começara a arrastar um pouco umas das pernas e de perna arrastada ninguém vai muito longe. Para onde iria ele, de resto? Não possuía amigos, não frequentava cafés, não recebiam nem visitavam fosse quem fosse, nunca reparara num soslaio interessado para senhora nenhuma: lia o jornal, olhava a parede e acabou-se. Há quantos lustros não lhe tocava? Ao calcular há quantos lustros não lhe tocava chegou-lhe do andar de cima um
- Acabou-se a conversa
que a sobressaltou o bastante para deixar os cálculos de lado. Há assuntos em que é melhor deixar as questões como estão, e a mulher era uma criatura prudente. Aos sessenta e cinco anos vai-se ganhando bom senso, para quê arranjar maçadas agora? De modo que acabou por ir para a cama também, guiando-se pela claridade dos intervalos dos estores. Ao deitar-se nenhuma tábua estalou, o marido dormia numa respiração lenta, quando se preparava para se voltar para um dos lados percebeu-lhe um murmúrio
- Sissi
e ficou a repetir para dentro
- Sissi, Sissi
por acaso o nome da empregada que vinha uma tarde por semana ajudar nas limpezas, uma criatura baixa e gorda, viúva, com o filho preso por uma questão de drogas ou um problema no género. A criatura baixa e gorda não era de grandes expansões e o marido, estava certa disso, nem atentava nela. Nem atentava nela? Se nem atentava nela porque carga de água o
- Sissi
num soprozinho que classificou de enternecido? Decidiu sacudir-lhe o ombro
- Que história é essa da Sissi?
meditou com mais calma, não se atreveu, porém o facto é que não conseguia livrar-se daquele nome. Foi à cozinha beber água para acalmar os nervos, descalça, sujeitando-se a uma constipação ou uma gripe, o azulejos gelados, ela sensível do nariz, o médico, na última consulta
- Atenção aos pulmões que já não vai para nova
e a hipótese de uma pneumonia aterrou-a. Na bancada estavam algumas facturas por pagar e no meio das facturas uma página solta do bloco onde assentava as coisas a comprar no centro comercial, em que encontrou escrito
- Até para a semana meu ursinho rechonchudo, Sissi
e ficou séculos a reler aquilo, aparvalhada, Meu ursinho rechonchudo, Sissi, meu ursinho rechonchudo, Sissi, até que principiou a sentir-se cansada, estrangulou um bocejo e decidiu voltar para a cama. Ao fim de trinta e seis anos não era fácil substituir o marido mas podia muito bem substituir o tapete da sala. E, com um tapete novo na ideia, adormeceu quase contente."

António Lobo Antunes, crónica da Visão

Daqui.


Sim, para quê mudar o marido, a vida, se se pode mudar o tapete? para quê?
Um tapete compra-se, leva-se para casa, vê-se, e sorri-se porque é novo, porquer é escolhido - a nossa escolha -, até pode ser fofo e podemos deitar-nos nele, enquanto, sei lá, o nosso marido se deita com a Sissi... desde que não seja em cima do tapete novo, ou sendo, não se veja, qual o problema? Ele está a arrastar a perna, e com a perna a vida, e já não vai a lado nenhum... e o tapete novo, esse sim, já cá canta. Durmamos sossegadas...
A miséria da vida medíocre e a compensação burgueso-dramática da realidade mundana e tão supérfula. E como eu não sou deste mundo.