Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

18 maio 2015


"No sé tu nombre, sólo sé la mirada con que me lo dices"
Mario Benedetti

...porque há nomes que se chamam sem falar, e chamamentos que se sentem sem terem de ser ouvidos. Porque há conversas em silêncio numa língua que ninguém fala e poucos entendem. Conversas onde não há ruído ou mal-entendidos, onde nada se entende com a razão e tudo se sente percebido. Tudo se percebe sentindo - sabe-se porque se sente, só.

[ontem fiquei a pensar nesta frase, escrevi isto a meio da noite, porque não me largava, como não me larga a contradição de saber isto, sentir isto, e saber que o que se sente saber muitas das vezes está errado. pelo menos é o que me acontece a mim, mas sei que é possível - se eu o sinto, mais haverá que o sentem, que o sabem por sentir, e se entregam assim, apenas por sentir. Espero que nem todos se reduzam a cacos como eu. Ainda assim, faria tudo de novo. Há cacos que são relíquias e há cacos que são lixo para descartar. Eu prezo as minhas cicatrizes, lembram-me o que vivi, o que deveria ter aprendido, as lições que não aprendi logo, que desafiei arriscando mais cicatrizes, dores e mágoas. Descobri ilusões no sítio das verdades, que viraram cacos e cicatrizes de alma.. Todos as temos, há quem as negue, as esconda, as tape, eu rego-as para algo florescer no meio da tristeza. Um dia algo há-de nascer, algo para além destas palavras que me nascem dentro e saem dos dedos, algo para além de passado, de futuro ausente, órfão de presente. Um dia terei um presente presente, cheio de futuro dentro dum olhar poisado num horizonte que dá as mãos. Se não tiver, não foi por ter fugido dele. Também não o persigo, porque há coisas que só podem ser fruto de um encontro, de um olhar recíproco, que não se procura e não se persegue. E isso eu posso perdoar-me, fugir não. ]



(Foto de Brock Sanders)

Faz hoje (ou mais precisamente, ontem, Domingo que ainda é hoje para mim embora o relógio discorde...) seis anos que morreu Mario Benedetti, um senhor que me escreve ao coração. Curioso fazer seis anos sobre a sua morte, porque esses seis anos foram os que me ensinaram a lê-lo com a vida, saber do que fala sentindo... A sensação de que há coisas que afinal não existem só nos livros, mas que fazem parte da vida de algumas vidas, não de todas. Os últimos seis anos tornaram a minha vida uma dessas vidas. E foi também, algures durante estes seis anos, neste mundo de navegações internéticas, que descobri este autor. Depois procurei mais, ler mais, procurei os livros, e descobri poucos traduzidos para português. Tenho um por ler dele, e hoje ao ver esta notícia, decidi que o próximo a começar a ler e a acabar com a minha inércia de leituras que dura há tempo demais por razões à mais, vai ser "A Trégua". Para já, e para adormecer com pensamentos doces, escolhi uma das dez frases que elegiam na notícia como as suas melhores frases (que vale o que vale, e se calhar pouco, parece-me. esta coisa das listas dos melhores, haverá uma por cada um, diria eu, senão éramos todos iguais e gostávamos todos do mesmo, mas adiante...):

"No sé tu nombre, sólo sé la mirada con que me lo dices"

... Porque há olhares que podem dizer tudo, até quem és. Até quem gostarias de ser, e somos todos um pouco o que gostaríamos de ser, porque é também aquilo que gostamos que nos define, ainda que nem sempre o possamos ter. Somos, talvez, um pouco o que desejamos, o que sonhamos, para nós. Mesmo que seja só um sonho, é uma escolha. E, definitivamente, nós somos as nossas escolhas.

Boa Noite