Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

24 julho 2010

Não me apetece escrever, não quero pensar e pagava para não sentir.
Apetecia-me ler, ler alguma coisa que me escrevesse, que dissesse que pensa, que não consegue não sentir, que não se quer sem mim. Nada. Nada hoje, nada amanhã e depois se verá.
Eu já mudava de vida, já.

18 julho 2010

Apetecia-me, apetecia-me manda-lo passear, é verdade. Estou num daqueles estados de espirito que me deviam assolar mais vezes e eu conseguiria duma vez por todas despegar-me, ganhar raiva constante e consistente, disciplinar a mente e pôr a razão de volta ao comando das operações. Perceber que não gostar não é uma esperança, que gostar é um estado de estupidificação que tem de ser domado. Perceber que se não se é gostado, também isso não muda por muito que se faça, ou queira não ver, ou se vejam coisas onde não as há. Não gostar é não gostar. É não estar, é não pensar, é não querer.
Estou cansada, cansada de gostar demais, sempre demais de quem gosta de menos e magoa mais. Estou farta de parecer um semaforo intermitente, em que não se sabe se se vai ou se se fica. Estou farta das mesmas faltas sempre, sabendo que magoa muito, pouco ou nada. Tudo é indiferente, a tudo se passa por cima, e no fim estou lá sempre, feita parva, de cara fechada, que sempre tem o dom de abrir, mas nunca de curar as feridas que se enfiam para dentro e raramente saram.
Olhou para o lado, finalmente adormecera. Nunca o havia visto dormir, nunca quisera adormecer com a certeza de acordar sem ele, preferia sentir a perda despedindo-se, do que adormecer sobre ela e acordar perdida da despedida. Estava cansado, tinha chegado tarde, quase dez horas, trincaram qualquer coisa e saíram. Ela pegou nas chaves do carro e adiantou-se para o volante. Começou a abanar a cabeça, não queria, queria ele conduzir, não gostava de ser conduzido. Teimoso que nem uma mula, insistiu, já ela sentada. Ela, mula, disse que ou entrava, ou ficava, e então era escusado ela ir. Tentou não esboçar um sorriso, e ela fingiu que não viu o sorriso que fingiu não sair, que eram sempre os de que mais gostava de lhe arrancar, e das gargalhadas que às vezes surpreendiam o ruído das conversas parvas que tantas vezes tinham, e que lhe inundavam depois as memórias.
Nunca percebera aquela mania de querer conduzir, como se se agarrasse à sensação de dirigir, conduzir alguma coisa na sua vida, teimando em não ver, não perceber, que ele apenas se levava aonde os outros escolhiam ir, atestava o carro, via a pressão dos pneus, o óleo, assegurava toda a logística, e depois sentava-se ao volante e tinha a sensação que conduzia alguma coisa, quando apenas se transportava a um destino, quase nunca o dele. Por isso obrigara-o a inverter o sentido, ele escolhera o destino ela conduziria. E acabou por adormecer, afinal confiava nela. Nunca se adormece sem confiança, mesmo com o cansaço a pesar nos olhos, e a noite avançada na escuridão, onde agora estavam mergulhados, a caminho de um destino dele. Nunca percebera porque aquele homem não conseguia dizer que não, não conseguia falhar aos outros, como se isso fosse falhar a ele próprio, como não conseguir chegar a tudo e a todos fosse sempre uma falha dele, sem perceber que exigir demais é falha de quem exige. Para ele a falha era dele, e desdobrava-se. Sempre. Para não sentir que falhava. Falhar aos outros era falhar-se.
O céu estava limpo, lindo, com a lua crescente a beijar o horizonte de quando em vez, e a aparecer rendilhada quando se escondia meia envergonhada, atrás das árvores mais altas enamoradas dela. E de novo olhou para ele, agora, velando-lhe o sono e o caminho, revia o enorme homem que era, que sempre vira, que sempre sentira, e um sorriso iluminou a escuridão da viagem, como a lua iluminava a noite. Fez-lhe um carinho, uma festa no cabelo já grisalho. Quando o conhecera ainda assim não era, mas gostava assim, gostava assim ou doutra maneira, gostava dele, e apeteceu-lhe dar-lhe mimo, sem que ele soubesse, sem mesmo que ele sentisse, e pousou a sua mão sobre a dele, ele mexeu-se mas não acordou, como que se sorriu, deveria sonhar, e ela também, sonhava sempre, quase sempre acordada. Tinha uma cabeça que raramente parava, e não que fizesse por isso, só não conseguia calá-la, pará-la, controla-la, sempre a pensar, sempre a sonhar, sempre a tentar não sonhar, sempre a escrever no pensamento tanta coisa que o papel nunca conheceria. Tinha fases assim, e agora andava assim há muito tempo. Sentira-se desabrochar sob o olhar dele, não conseguindo perceber, distinguir, se o desabrochar tinha nascido da sua contemplação, se apenas aconteceu ele estar lá para ver. Mas estava diferente, sabia-o. Assustava-a não saber se para melhor, se para pior...
Finalmente a viagem acaba, ela leva-o ao destino que ele escolheu. Pára o carro. Olha-o. Dorme ainda. Dá-lhe um beijo mansinho, recosta o banco e fecha os olhos.
Ele acorda, dá-lhe um beijo pequenino na testa, e ela acorda.
- Então, chegámos e tu adormeceste?
- Era para ser acordada por ti.- diz ensonada, no meio de um sorriso. Ele abana a cabeça.
- Porque não me acordaste quando chegámos?
- Para não te acordar amor...

15 julho 2010

Tu não és aquela lua pendurada no céu
Tu és aquela lua cheia que nos surpreende o caminho
Que enche o céu quando aparece,
Que nos faz sorrir,
A que nem as nuvens escondem a luz
Não és aquela que quando não está pendurada no céu
Me faz sentir viver na escuridão,
És a mão que me afaga os cabelos quando entro nela,
O olhar que compreende o que não se pode entender,
O sorriso que me defende de mim.
És a que no sal das lágrimas que me escorrem da alma
Encontras sempre algo doce que as seque
És a menina que nunca amarga
És tanto do que gostaria ser
Mas não o sendo
Gosto de te saber sempre pendurada na minha alma.

13 julho 2010

Duas vidas num olhar
Dois olhares à boca da alma
Dois risos numa só boca
Dois sorrisos num momento quieto
Dois desejos num beijo inquieto
Momentos de um amor caídos na eternidade.
Um amor com duas vidas.
Duas vidas que não cabem numa.
O mundo fecha-se com a porta. Leva os sonhos e a sensação de felicidade tão enganadora como o que se sente sentir sem sentir, o que se pensa sem pensar, o que se sabe sem saber. A certeza de sermos nossos, de não conseguir ficar sem ele. O dia seguinte desperta numas poucas horas que tudo mudam, tornando a certeza certa do seu contrário. Nunca seremos nossos, e eu não sei se voltarei a ser minha.

12 julho 2010

Uma pessoa fica tão, mas tão desconsolada com algumas respostas, ou com a falta delas... Não ouvimos o que queremos e isso sabe a comida sem sal, ou sobremesas sem açucar, não se passa fome, mas não sabe a nada... fazem-me isto tantas vezes!! Os homens são uns desconsolados... e isso só me dá vontade de desconsolar também, será que sentiam a diferença? A diferença da meia indiferença?

08 julho 2010

Armei-me em durona,
Daquelas para que se olha e nunca se vê
Tal é a altura do muro que constroem à sua volta
Muros robustos levantados com o tempo
Onde se põem as pedras do caminho
E de argamassa usam-se as mágoas mastigadas
Que cuspidas juntam a solidez das pedras
Muros feitos à prova de tempestades,
Terramotos e à dureza da vida.
Surpreendentemente não resistiram
à leveza duma suave brisa,
morna, com cheiro doce
Não derrubou o muro
Não funciona à força
Esgueira-se por entre os espaços
que não sabia existirem
Entranha-se
E de repente vejo-me presa
duma brisa fechada entre muros.

07 julho 2010

Tenho medo,
Medo e saudades.
Saudades e medo de ter para sempre saudades.
Medo do hoje e do amanhã
Do viver hoje sem o amanhã,
Sem o amanhã de todos os dias.
É viver de noite sem lua pendurada no céu
Nem estrelas a lembrarem pirilampos
que nos acendem um sorriso.
Uma e outra vez,
Tão perto, que os poderia agarrar e levar para casa
Se eles sorrissem também.

06 julho 2010

Sinto-me perdida, quero assentar e não consigo, falta-me a voz dele ao fim do dia, a luz dos olhos dele a incendiarem qualquer coisa em mim, a fazerem nascer coisas que eu já não sentia há muito e que nunca tinha deixado sair para a luz do dia até o ver, até ele cravar a sua mão nas minhas costas naquele fim de tarde, e colarmo-nos num beijo que não consigo esquecer, e que parece em mim não querer acabar... acabando comigo aos poucos todos os dias.

05 julho 2010

Eu também quero tirar férias, mas para isso acho que preciso de mandar o coração de férias primeiro, ele vai, eu fico. Depois dele tirar férias, descansar e esquecer pode ser que eu consiga descansar.
Há quem não precise destes truques estranhos, como se se tirasse férias de sentir, férias dos cheiros que se cheiram sem entrarem pelo nariz, dos toques que não tocam mas arrepiam a espinha, dos olhos que não se vêem mas que não conseguimos fechar em nós. Este emaranhado de sentidos sem sentir como desemaranha-los...
Só não percebo se são saudades, porque essas apaziguam-se na chegada, e isto que tenho não tem paz, não me dá paz. Sinto-me sempre como se me faltasse alguma coisa, o que deixa sempre aquele travo amargo de ânsia faminta não sei bem de quê, sedenta do que não sei se há. Assim me sinto hoje... Talvez com fome de tempo e sede de afecto.

04 julho 2010

Este cheiro que me abraça, este cheiro salgado que se impregna na alma por todos os poros, que nos beija e nos abandona a esta inquietude calma. Este mar que não pára, como um coração enorme que não pára de pulsar, forte na sua convicção de ser, que se mostra a cada onda que rebenta e recolhe a si, para a devolver uma e outra vez. Sempre a mesma, sempre outra. Esta força em que me apetece mergulhar, ouvir o seu silêncio calar o meu, deixar-me abandonar das minhas memórias, sentires e razões. Deixar-me à deriva do seu ondular, embalar-me na sua música, adormecer de mim e acordar outra.

03 julho 2010

devagar, o tempo transforma tudo em tempo. o ódio transforma-se em tempo, o amor transforma-se em tempo, a dor transforma-se em tempo. os assuntos que julgámos mais profundos, mais impossíveis, mais permanentes e imutáveis, transformam-se devagar em tempo. por si só, o tempo não é nada. a idade de nada é nada. a eternidade não existe. no entanto, a eternidade existe. os instantes dos teus olhos parados sobre mim eram eternos. os instantes do teu sorriso eram eternos. os instantes do teu corpo de luz eram eternos. foste eterna até ao fim.

José Luís Peixoto, in "A Casa, A Escuridão"