Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

23 janeiro 2015


"O que é determinante aqui é que nenhuma das opções se destaca isoladamente como uma vencedora a milhas de distância. Muito bem, que fazem então as pessoas que se encontram perante tais opções? Possivelmente, congelam. São reduzidas a um imobilismo em que não conseguem decidir no estrito domínio da razão. Podemos no entanto isolar dois tipos de pessoa. Quem não queira ou seja capaz de traçar cenários na sua cabeça, vivendo o imediato e pouco além, talvez se lance por ímpeto para uma delas. Quem queira e consiga traçar cenários, vivendo o imediato e o depois disso, poderá ter dificuldade acrescida em decidir. Não decidindo, acontece aquilo que muitos dizem: a vida decide por ti. Em rigor, a vida não é uma entidade viva, não é uma coisa que pense e actue sozinha, sabemo-lo todos. O que isso significa é que se ficamos imóveis perante duas (ou mais) opções sobre as quais não tomamos uma decisão, somos ultrapassados pelos eventos. Tudo aquilo que continua a acontecer à nossa volta enquanto estamos a pesar prós e contras, vai acontecendo, e as variáveis alteram-se, e as nossas opções podem muito bem ser-nos retiradas no processo, e quando chegamos a uma conclusão, abrimos a gaveta e a gaveta está vazia. É isso que significa a vida decidir por nós.
(...)
Há uma reflexão ligeira sobre a escolha, sobre como a todos é fácil optar entre coisas muito desequilibradas, e sobre como se torna tão complexo decidir quando o plano entre opções é menos inclinado e custa isolar uma em detrimento da outra. E sobre como isso diz, verdadeiramente, algo sobre nós. Porque se num plano muito inclinado a decisão é simples, num plano pouco inclinado a luta pessoal é muito mais complexa, e jogamos todo um conjunto de valores que nos definem, e nem sempre fazemos aquilo que nos dará a maior satisfação mas podemos ver-nos empurrados para aquilo que julgamos ser um dever, independentemente de ser permanente ou transitório. Numa escolha pode residir um profundo paradoxo. Uma escolha pode nem sequer ser uma escolha, pode ser uma imposição, uma situação de necessidade, de sobrevivência, ou uma ultrapassagem. Numa escolha de plano pouco inclinado provavelmente nem existem soluções win/win, é muito natural que sejam sempre lose/lose (resisti ao duplo ‘oo’, um lapso meu muito frequente, ando sempre a pensar em loose), particularmente se a demora ou a incapacidade de decidir fizer a vida passar-nos por cima dado o nosso imobilismo. É certo, quero crer, que nenhum imobilismo dura para sempre. Ou as opções desaparecem, e com elas o imobilismo – o que sempre deixará um lamento e amargura, excepto se o sujeito da experiência nunca tiver verdadeiramente desejado optar, o que também dirá muito sobre ele, e não creio que de bom -, ou inevitavelmente uma das opções – das originais ou novas – prevalecerá. O imobilismo toda uma vida é insustentável porquanto a dado momento o sofrimento de ficar imóvel torna-se superior ao sofrimento de optar. E aí, sempre se opta. Mesmo que tarde."

Sobre as curvas das/nas escolhas, vale a pena ler, aqui, o geógrafo João.

Ficou-me esta frase "sempre deixará um lamento e amargura, excepto se o sujeito da experiência nunca tiver verdadeiramente desejado optar, o que também dirá muito sobre ele" - e pus-me a pensar... e eu, fiz as minhas escolhas? ou deixei a vida decidir? pergunto-me, e penso que sempre decidi não abandonar o que queria, e de todas as vezes decidi não ir atrás quando me abandonavam. decisões minhas. aparentemente. olho, penso e parece-me que decidi, que fiz as minhas escolhas. mas sempre deixei que voltassem... e isso não é imobilismo? nunca houve uma acção do meu lado, nem de abandonar - porque não tenho por feitio abandonar aquilo que quero, e luto por isso como posso, e segundo os princípios que tenho, mas só assim, não de qualquer maneira - nem de ir atrás, de insistir,  de tentar vencer pelo cansaço, de tentar interferir, de tentar convencer a ficar, ou ao que fosse. Mas sempre estive onde me deixaram quando voltavam. Eu continuava lá, no mesmo sitio, a querer a mesma coisa, que não era aquela que se calhar - bom, de certeza, na verdade - me queriam dar quando me procuravam. Escolher estar no mesmo sítio, da mesma forma, foi uma escolha?  ou foi apenas reconhecer que não conseguia escolher outra coisa, que não conseguia escolher? e deixava que alguém resolvesse voltar ou ir embora, retirando-me a mim de qualquer decisão? 
Na verdade eu nunca quis que a decisão fosse minha, porque não estava nas minhas mãos decidir, eu sabia o que queria e como queria, mas não dependia de mim. Então esperei, nunca provoquei situações limite, nem encostei ninguém à parede (bom, para decidir o que fosse, bem entendido, já noutras situações, encostei e que bem decidido que isso era... bom, adiante que não são coisas para me lembrar agora... ai) para decidir sob pressão uma coisa que acho que tem de se chegar a uma resposta pelos seus pés e tempo próprio. As decisões que tive de tomar na minha vida, tomei-as antes de tudo isto, no meu tempo ao meu ritmo, não as entreguei a ninguém porque eram escolha minha, afectavam a minha vida, o que queria dela e o que não queria mais nela, e estavam nas minhas mãos decidir. Escolhi, ou melhor reconheci a escolha que me estava já feita por dentro, e decidi. Depois não, eu só podia decidir entre virar costas e abandonar - indo contra o que queria e quem queria e gostava -, ou esperar que quem tinha a decisão nas mãos decidisse, ainda que também a minha vida saísse afectada e decidida. De cada vez que decidiu aceitei a decisão, fiquei no meu canto, e deixei a vida correr. Não decidi nada, ou decidi que não queria fazer nada. Apenas ficar onde estava a roer razões e porquês sem resposta. Não me mexi, não corri, não fugi, não fui atrás. Fiquei-me. E deixei-me ficar de cada vez que voltaram. Decidi sempre deixá-lo decidir. E agora não sei se isto é imobilismo. Deixou-me a pensar isto.
(é por estas coisas que me dizem que eu penso demais... se calhar têm razão)
(foto de Jens-Wilhelm Janzen, roubada aqui)

Está decidido. Vou voltar ao Yoga... já andava a pensar nisso e vou voltar; preciso, sinto os ombros pendurados nas orelhas de tanta tensão, preciso de me mexer, esticar, "elasticar"... 
só ainda não sei para onde vou... mas vou. Tenho de mudar algumas coisas na minha vida, começar a tratar do corpo que anda tão esquecido é um bom ponto de partida, isso e ver se consigo ganhar uns kilitos... temos de começar por algum lado e gosto do yoga, faz-nos mexer e não andamos aos saltos com o coração a saltar-nos pela boca e os bofes de fora... not my type...
Bom Dia
Fui agora, por acaso, até aos posts de final de Junho de 2012 e é incrível... Tudo. Eu lembrar-me da cena que deu origem a certo post, que acabava com alguém a dizer "tenho de me ir embora daqui", como aliás depois está escarrapachado nos comentários ao post. Lembro-me até exactamente do toque no braço com a ponta dos dedos que me fez voltar a lembrar que o manto que tenho em cima do esqueleto é pele, e que a pele sente. É suposto sentir. Lembro-me de ouvir que tinhas de ir embora dali, lembro-me que não te disse para não ires, como nunca to disse, como nunca pedi para ficares. Há coisas que não se pedem porque não devem ser feitas para fazer a vontade a alguém, têm de ser vontade, sim, mas apenas do próprio, não são próprias para se fazerem concedendo, ou cedendo a pedidos de ninguém. Leio, e lembro-me das brincadeiras, de como tudo se tornava uma brincadeira em que acabávamos a rirmo-nos juntos, e tantas vezes agarrados, colados, nariz com nariz, respiração a passo, silêncio a par. Lembro-me dos nossos nomes parvos, de te chamar tanto mula sem cabeça como coisa boa, e de tu me chamares biscoito. Lembro-me de passares no café onde tínhamos ido tomar café num domingo à  tarde, de te ver à  distância passar de carro, quando uns dias antes estavas sentado comigo na mesa, com um café à frente e muita conversa no meio. Depois apanhámos a estrada impedida, um cortejo ou uma procissão, disso não me lembro, e fomos um atrás do outro a mandar mensagens enquanto os carros não podiam andar.  Lembro-me de me falares dessa tarde muitas vezes, de me dizeres que tinhas gostado tanto...Lembro-me de me adorares, e não sei como isso é possível, como poderá ser possível lembrar-me disso, que nunca foi... Lembro-me de tudo. Como? Ainda sei as tuas mãos de cor. Porquê? Ainda sinto o calor dos nossos beijos. Para quê? 

Deixa-me soltas as mãos
e o coração, deixa-me livre!
Deixa que meus dedos corram
pelos caminhos do teu corpo.
A paixão -sangue, fogo, beijos-
incendeia-me a labaredas trémulas.
Ai, tu não sabes o que é isto!
É a tempestade de meus sentidos
subjugando a selva sensível
de meus nervos.
É a carne que grita com suas
ardentes línguas!
É o incêndio!
E estás aqui, mulher,
como uma madeira intacta,
agora que voa toda minha
vida feito cinzas
para teu corpo cheio, como
a noite, de astros!
Deixa-me livre as mãos
e o coração, deixa-me livre!
Eu só te desejo, eu só te desejo!
Não é amor, é desejo que se
esgota e se extingue,
é precipitação de fúrias,
proximidade do impossível,
porém tu estás,
estás para dar-me tudo,
e para dar-me o que tens para
à terra vieste
como eu para conter-te,
e desejar-te,
e receber-te!

Pablo Neruda

[...o desejo. vai vem e esgota-se. quando é só desejo.
quando o desejo anda a par do amor, e do desejo de amar e ser amado, quando se ama amar com desejo, é amor embrulhado em desejo que não se esgota. enquanto não morrer o amor. depois morre tudo. distancia-se a proximidade do impossível para se aproximar a distância do possível. ]

Boa Noite