Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

25 novembro 2014


Só por existir
Só por duvidar
Tenho duas almas em guerra
E sei que nenhuma vai ganhar

Só por ter dois sóis
Só por hesitar
Fiz a cama na encruzilhada
E chamei casa a esse lugar

E anda sempre alguém por lá
Junto à tempestade
Onde os pés não têm chão
E as mãos perdem a razão

Só por inventar
Só por destruir
Tenho as chaves do céu e do inferno
E deixo o tempo decidir

E anda sempre alguém por lá
Junto à tempestade
Onde os pés não têm chão
E as mãos perdem a razão

Só por existir
Só por duvidar
Tenho duas almas em guerra
E sei que nenhuma vai ganhar
Eu sei que nenhuma vai ganhar


[Entrei no carro quase a acabar uma música. Por instinto, para me calar os pensamentos, para me afogar os olhos de claridade, para a poesia me aquecer a alma e fazer nascer o dia em mim, aumentei o volume. Apareceu-me esta música. Esta que não é nada minha a não ser quando atravesso a ponte para a outra margem de mim, onde encontro outros sapatos que tantas vezes calcei para lhes sentir a forma, as partes gastas, onde doía e onde serviam, onde aquecia e onde a água entrava quando chovia, para tentar perceber como às vezes chovia lá dentro quando chovia pouco, e chovia o mesmo quando choviam tempestades. Habituei-me a fazer essa travessia como quem visita outro lado duma casa minha, em que moro sem habitar todas as divisões, portas que abro para ser visita da casa, para perceber o todo, para perceber o nós. Talvez como uma parte de mim  por empréstimo, por afinidade, mas que nunca fui eu, e que nunca foi meu. Lugar que conheço bem, acho que sim, mas que não me habita.
Há uma música para tudo, para cada situação, para cada estado de espírito, para cada falha da alma, e cada fala da alma, e esta faz-me sentido há tanto tempo... alguém fazer a cama na encruzilhada e fazer casa desse lugar, no meio de nada e na encruzilhada de tudo, deixar o tempo decidir que não decide. O tempo nunca decide nada é a sua única decisão, só nós decidimos, algures no tempo, depois dizemos que o tempo decidiu, porque as mãos perderam a razão e o chão perdeu-nos os pés. E almas em guerra não dão paz a ninguém. E esta música não me dá paz, mas não me faz guerra. Entendo-a. Entendo-te. Mas há olhares que me dão paz que não entendo.
(E sim ainda ando a ouvir Jorge Palma. Por enquanto.) ]

Bom Dia