Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

08 setembro 2014

"- Sabe as mulheres têm muitas vezes a impressão de que os homens estão muito mais apaixonados por elas do que na realidade estão.
(...)
- Não sabe porque casei consigo?
- Porque queria estar casada antes da sua irmã Doris.
Era verdade, mas ela sentiu algum regozijo quando viu que ele sabia. Por mais estranho que parecesse, ele espicaçava-lhe a compaixão mesmo naquele momento de medo e raiva. Ele esboçou um sorriso ténue.
- Nunca tive ilusões a seu respeito - disse. - Sabia que era pateta, frívola, uma cabecinha oca. Mas amava-a. sabia que os seus objectivos e ideais eram triviais, lugares comuns. Mas amava-a. Sabia que não era lá grande coisa, mas amava-a. É engraçado quando penso no esforço que fazia para achar graça às mesmas coisas e na ansiedade com que lhe escondia que não era ignorante, banal, maledicente e estúpido. Sabia como a inteligência lhe metia medo e fazia tudo o que podia para que pensasse que eu era tão idiota como o resto dos homens que conhecia. sabia que só tinha casado comigo por conveniência. Mas amava-a tanto que não me importava. Tanto quanto sei, a maior parte das pessoas, quando estão apaixonadas por alguém e esse amor não é correspondido, sentem-se ofendidas e ficam cada vez mais zangadas e amargas. mas eu não era assim. Nunca esperei que me amasse, não via razão para que o fizesse, nunca me considerei muito amável. Bastava-me poder amá-la e entrava em êxtase quando, de vez em quando, pensava que lhe agradava ou quando captava nos seus olhos um lampejo  de sorridente afeição. Tentava não a importunar com o meu amor, mas, como sabia que não podia evitá-lo, estava sempre atento ao primeiro sinal de impaciência ante o meu afecto. O que a maior parte dos maridos espera ter como um direito eu estava preparado para receber como um favor.
Kitty, acostumada uma vida inteira à lisonja, nunca até aí tinha ouvido ninguém dizer-lhe tais coisas e no seu coração explodiu uma ira cega que rechaçou o medo, uma ira que parecia sufocá-la, fazendo-lhe as veias das têmporas inchar e latejar. A vaidade ferida pode tornar uma mulher mais vingativa do que uma leoa a quem roubaram as crias."

Somerset Maugham, in Véu Pintado

[Isto é tudo o que eu não quero: ter a certeza que não sou amada e resignar-me a isso, a amar alguém que não consegue perceber o que eu sinto por dentro, ainda que  possa sentir com menos ou mais intensidade, tem de ser um comprimento de onda partilhado ou não vale a pena. Por muito que dar seja tão mais gratificante do que receber, receber por favor recuso-me, chega a ser ofensivo emocionalmente. Talvez seja o dito orgulho, o não poder exigir o que só existe sem exigência, ou sequer, razão. Mas também não ser amado não é culpa de quem não ama, porque não nasce da vontade, por isso aquele ressentimento de quem sabe que não é amado parece-me uma coisa mesquinha, amarga e ressabiada, como se nos achássemos tão grande coisa que a estupidez de não nos amar é do outro. A culpa de não nos ver como nós queremos que nos veja, ou como nos vemos, é do outro. E isso sim é estúpido. E eu tento a todo o custo não ser esse tipo de estúpida, mas tenho toda uma palete de estupidezes para me desforrar... e à grande!]
"Pode ser que, tal como as personagens históricas, eu seja orgulhoso de mais para lutar."

Somerset Maugham, in Véu Pintado

[... Há muito de mim nesta frase e eu não sabia, nunca pensei nisto assim, mas há coisas em que sou definitivamente assim, e de facto talvez seja orgulho. Encaro a possibilidade de certas disputas como uma posição de inferioridade, ou pelo menos uma posição relativa onde só deveria haver posições absolutas, como no amor. Nunca disputei um homem com ninguém, nunca "lutei" com ninguém para ganhar o afecto de outro. Se acho que é preciso disputar afecto é porque o andamos a procurar onde não o há. Posso lutar por quem gosto, posso fazer este mundo e o outro completamente desprovida de orgulhos, mas apenas enquanto achar que o outro gosta de mim este mundo e o outro. Se não for assim talvez seja orgulho o nem ir a jogo. Retiro-me. Nunca poderei ganhar o que quero. Porque o que quero não se ganha. Ou há ou não há. Ou se ama ou não se ama, e ponto final.
Esta frase é excelente mesmo, bolas.]
"Walter, ao contrário do que era seu hábito quando jantavam fora, não lhe enviou um pequeno sorriso de vez em quando. Nunca olhou para ela. Quando se dirigiam para o carro, ela tinha reparado que ele mantinha o olhar desviado, fazendo o mesmo quando, com a delicadeza habitual, lhe deu a mao para á ajudar a sair.
(...)
Claro que ele sabia; disso não tinha a mínima dúvida, e estava furioso com ela. Mas porque é wue não tinha dito nada? Seria na verdade porque, embora zangado e ferido, a amava tanto que temia que ela o deixasse? O pensamento provocava-lhe sempre um leve, mas terno, sentimento de desprezo: afinal era marido dela, era quem lhe dava tecto e a sustentava; desde que não interferisse na vida dela é à deixasse fazer o que quisesse tratá-lo-ia com toda a cordialidade.
(...)
E havia ainda outra coisa: os homens eram muito vaidosos e, desde que ninguém soubesse o que se tinha passado, podia ser que Walter se desse por satisfeito em ignorá-lo. Depois pensou se não haveria a mínima possibilidade de Charlie estar errado ao sugerir que Walter sabia bem de que lado soprava o vento. Charlie era a personalidade mais popular da colônia e em breve seria secretário colonial. Poderia ser muito útil á Walter: em contrapartida, poderia prejudicá-lo muito se Walter o enfrentasse. O coração dela exultava ao pensar na força do seu amor; como se sentia indefesa nos seus braços vírus. Os homens eram tão estranhos: nunca lhe teria passado pela cabeça que Walter fosse capaz de tal baixeza, mas nunca se sabia, talvez a sua seriedade não passasse de uma mascara para encobrir uma natureza mesquinha e cavilosa."

Somerset Maugham, in Véu Pintado

[... Quantas máscaras usam as pessoas? Quanto tempo para percebermos as máscaras, e haverá máscaras que nos impeçam de ver a nós mesmos? E porquê? Não nos conhecemos e temos medo de nos ver ao espelho sem máscaras, temos medo de nos ver e à nossa verdade? Sabemos qual debaixo de todas as máscaras é a nossa verdade? Mas se temos medo revela-se que desconfiamos que não iremos gostar do que poderíamos ver... Estranho.]
...dormir seria uma variação... das boas, vá... mas não se está mal, aqui com a cidade pela janela e um mundo morto por dentro. Um cigarro na mão, e a luz que se fechou para não ferir a escuridão que se sente mais do que se vê. A ponta do cigarro acesa, laranja, que vive a espaços mais viva, e eu invejo-a, de viver mais viva a espaços. Mas no fim tudo é cinza. Às vezes acho que também eu já sou só cinza.
...bom conselho.

Boa Noite