Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

08 março 2014

" O que a exasperava, era que Carlos não parecia ter a mínima suspeita do seu suplício. A convicção em que ele estava de a fazer feliz parecia-lhe um insulto imbecil, e a segurança que afectava, uma ingratidão. 
(...)
Desejaria que Carlos lhe batesse, para poder detestá-lo com justiça, vingar-se dele. Por vezes surpreendia-se com as conjecturas atrozes que lhe vinham ao cérebro; e era preciso continuar a sorrir, ouvir-se a si própria dizer que era feliz, fingir que o era, deixar que os outros acreditassem?
entretanto, repugnava-lhe essa hipocrisia. Assaltavam-na desejos de fugir com Léon para qualquer sitio, muito longe, onde tentaria um novo destino; mas logo na sua alma se cavava novo abismo, cheio de escuridão.
-Afinal, ele já não me ama - pensava ela -; que fazer? Que socorro esperar, que consolação, que alívio?"

Gustave Flaubert, in Madame Bovary

[... e para apaziguar a alma, acalentar o coração, aliviar a angústia, pergunta-se se se perdeu a pessoa??... e depois? ]

"Teriam só aquilo para dizer? Nos olhos de ambos, todavia, desenhava-se um dialogo mais serio; e enquanto se esforçavam por encontrar frases banais, sentiam a mesma languidez invadi-los aos dois; era como um murmúrio da alma, profundo, ininterrupto, que dominava o das vozes. Tomados de espanto por aquela nova sensação de suavidade, não pensavam em comunica-la nem em descobrir-lhe o motivo. As felicidades futuras, como as margens dos rios tropicais, projectam na imensidade que as precede a sua indolência natural, espécie de brisa perfumada, e nessa embriaguez adormecemos, sem nos inquietarmos com o horizonte que ainda se não vê."
(...)
" Quanto a Ema, não perguntava a si própria se o amava. O amor, pensava ela, deveria chegar de repente, no meio de esplendor e fulgurações - tempestade celeste que se abate sobre a vida, a subverte, extirpando as vontades como folhas e arrastando para o abismo os corações. Ema ignorava que, nos terraços das casas, a chuva forma lagos quando as goteiras estão obstruídas; e assim se convenceu de estar em segurança, quando, subitamente, descobriu uma fenda na parede."

Gustave Flaubert, in Madame Bovary