Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

24 janeiro 2012

Obrigadinha, sim?
Vim o caminho sem música, desliguei. Vim a apreciar os pensamentos e o sol. Tinha acabado de ouvir pedaços de vida que me tocaram, por leves que fossem, puseram-me a pensar que de facto males de amor por muito que doam, que doem, por muito que nos suguem toda a vida que nos corre nas veias, é um luxo. Enquanto não tivermos de pensar em como vamos dar de comer e vestir aos filhos, enquanto não tiverem fome nem frio, os problemas por muito sentidos que sejam, são já um luxo. Há tantos luxos que classificamos como necessidades básicas, que todas as classificações são injustas e relativas. Pus-me a pensar o que de facto é básico, é suporte para mim e lembrei-me duma conversa que tive com o meu pai, já eu estava separada, no Verão no meio das nossas caminhadas e cafés nas esplanadas, quando eu ainda olhava para ele e não me lembrava sempre de alguém que amando muito, agora me dá muita raiva também, porque em muita coisa são parecidos, e ele tem sofrido bem por isso, coitado. E nessa conversa em que me dizia que a vida não era fácil e que isto e aquilo, e eu respondi "Enquanto estivermos todos cá, com saúde e perto o suficiente para estarmos quando queremos e precisamos, enquanto nos apoiarmos uns aos outros, está tudo bem, tudo se arranja." E é verdade, o essencial é termos perto quem gostamos e quem precisamos, quando alguém assim nos falta é um pilar que rui parte da nossa vida, que nos ajuda a suportá-la. E é aqui que nos ajudam também a assegurar as necessidades básicas à sobrevivência, e para mim essa sobrevivência passa também pelas pessoas, e por tê-las perto, porque são também a nossa vida. Porque muitas vezes a vida, em si, é já um luxo.
"No ensaio da «Degradação» é que aparece tal expressão, «correntes de sentimento». Para «uma atitude amorosa plenamente normal» (mereceia uma análise semântica atenta, este «plenamente normal», mas adiante), para uma atitude amorosa plenamente normal, diz ele, é preciso que se conjuguem duas correntes de sentimentos: os sentimentos ternos e afectuosos, e os sentimentos sensuais. E em muitos casos, isto purisimplesmente não acontece, infelizmente. «Quando esses homens amam, não sentem desejo; e quando desejam, não conseguem amar».
Pergunta: Deverei considerar-me  incluído nessa multidão fragmentada? Em linguagem clara e simples: os sentimentos sensuais do Alexander Portnoy estão fixados nas suas fantasias incestuosas?O que é que acha Doutor?
(...)
Sim, mas se assim é, como é que se explica aquele fim-de-semana em Vermont? Porque aí romperam-se os diques da barreira do incesto, ou pelo menos assim pareceu. E pluf, os sentimentos sensuais misturaram-se com as mais puras e mais fundas torrentes de ternura que alguma vez conheci! Garanto-lhe que a confluência das duas correntes foi espantosa! E nela também! Ela até me disse o mesmo!
Ou terão sido só as folhas coloridas, doutor, e o lume na lareira da sala de jantar da estalagem de Woodstock, que nos enterneceram a ambos? Terá sido ternura um pelo outro o que sentimos, ou apenas o Outono a fazer o seu trabalho (...) "
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"Começámos o regresso ao fim da tarde, fazendo o trajecto todo de carro até Nova Iorque para prolongar um pouco mais o fim-de-semana. Ao fim de uma hora de viagem, ela sintonizou a WABC e começou a baloiçar-se no assento ao som da música rock. Depois, de repente, disse: «Ah que se lixe o barulho», e desligou o rádio.
Não era bom, disse então, não ter de regressar?
Não era bom viver um dia no campo com uma pessoa de quem se gostasse muito?
Não era bom acordar cheio de energia ao nascer do Sol e ir para a cama derreado quando escurecesse?
Não era bom ter uma data de responsabilidades e passar o dia todo a tratar delas sem lhes sentir o peso?
Não era bom uma pessoa estar dias inteiros, semanas inteiras, meses inteiros sem pensar em si própria? Andar com roupas velhas, sem maquilhagem, e sem precisar de estar constantemente em forma?
O tempo foi passando. Ela assobiou. «Não achas que era incrível?»
«O quê?»
«Ser adulto. Adulto, sabes?"

Philip Roth, in O complexo de Portnoy