Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

28 fevereiro 2015


Uns ovos mexidos, cogumelos com ervas, umas torradas, iogurte e duas laranjas. Agora um café, à janela, a ver os carros passar e a chuva a cair, e eu quieta, a beber um café quente. Quente, ainda de pijama, de preguiça impregnada, de ronha entranhada. Depois do café, talvez um filme, talvez ler, manta de certeza, chá de certeza, sofá quase certo. Apetece lareira, mas a lenha é pouca e não posso ir buscar. E desta vez nem é preguiça... Podia ser, podia, mas não é. 
O pior pesadelo é a ideia do sonho, como a nossa infelicidade acontece pela ideia de felicidade. Falta-nos quando queremos mais, porque na verdade cada um só precisa do que tem para (sobre)viver. Mas há uma altura em que conhece mais, que vê mais, que sente melhor, e já nada menos que isso lhe serve. E com o mesmo com que não eramos os infelizes tornamo-nos miseravelmente infelizes, à custa da ideia de felicidade, ideia que experimentamos, que vivemos, que sentimos, mas que depois se tornou, ficou apenas, no campo das ideias e do coração - baú dos sonhos que acalentam mas doem.
Hoje à noite sonhei, sonhei coisas boas, lindas. Eu estava feliz e tu estavas feliz, estávamos bem, abraçados, a rir, virados para uma paisagem cheia de horizontes, eu nos teus braços, tu com o peito colado as minhas costas, os dois virados para o horizonte, abraçados, felizes, com vontade, a rir, a brincar, a conversar. Tínhamos chegado de viagem, saímos do carro e tu abraçaste-me por trás e ficámos assim. Depois virei-me para ti e deixámo-nos continuar como sempre na brincadeira e nos beijos. Acordei. Não sei porquê, mas acordei. E acordei cheia de vontade de estar assim, de estar bem, de brincar, de beijar, de namorar. E não quero, não quero esperar nada, não quero sonhos de que se acorda, não quero horizontes que fogem, que não são partilhados na mesma vontade, não quero a ansiedade que se transforma sempre em desilusão, não quero a expectativa de ser o que nunca serei, nunca fui, não quero. Porque custa, custa acordar e querer ver-te, querer ouvir-te, tocar-te, falar-te, beijar-te e não ter nada a que me agarrar, nem a esperança de algum dia ter. Aliás a certeza de que nunca te terei, e nunca sequer te cheguei a perder. Não quero sonhar porque a tua ausência dói mais assim, não quero sonhar porque sonho sempre sozinha, e acordo sozinha para esse pesadelo de não te ter, de nunca te ter tido, de te saber desapaixonado e distante noutra vida, que por momentos, enquanto sonhei, foi nossa. 
Não quero. 
Sonhar acorda-me em pesadelos de ansiedade de te querer, de te querer ao alcance das mãos, da boca, do abraço apertado, e não posso, porque não me queres. E eu agora só queria poder encostar-me a ti, e esquecer-me que isso é um sonho.