Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

21 agosto 2014

Já me disseram que eu tinha a alma grande, mas eu não sei o que é isso de alma grande, o que é isso do tamanho das almas... Sei que há almas que no seu tamanho são felizes; outras que se acham grandes porque são felizes, mesmo que a qualquer custo e de qualquer maneira; outras não percebem essa coisa dos tamanhos, ou para que serve, só queriam mesmo era que alguns momentos tivessem a sua alma toda, pequena ou grande. E que fossem muitos. Tantos quantos se puderem roubar aos dias e outros tantos às noites acordadas.
A única coisa para que a alma serve é para sentir a vida, a minha acho que se aposentou.
(eu também digo poucas coisas, calo-as e guardo-as, tantas; só os olhos me dizem que não consigo calar... mas parece que nada disso basta, parece que nunca nada basta  ou serve...talvez fechá-los seja bastante.... ou deixar de ter o que guardar.)
... é o senhor desta frase o senhor que se segue...
só se pode esperar muito...


....verdade...
E estou danadinha para começar o próximo (o próximo livro, eu falo de livros...)
e ele está aqui ao meu lado a olhar para mim, e eu para ele, é a antecâmara de uma relação... 
resta saber que relação.... hummm veremos...
"Os cuidados de Matilde fizeram com que aquela gruta selvagem fosse ornamentada com mármores ricamente esculpidos em Itália.
A senhora de Rênal foi fiel à sua promessa. Não procurou de forma alguma atentar contra sua vida; mas três dias depois da morte de Julião, morreu beijando os filhos."

Stendhal, in Vermelho e negro

[acabou. E estas duas frases resumem bem estas duas personagens, e o amor para elas.]
"O entusiasmo e a felicidade de Julião provavam-lhe como ele lhe perdoava. Nunca estivera tão louco de amor.
(...) que o crime que cometo é horrível, e mal te vejo, mesmo depois de teres disparado dois tiros sobre mim... - e, neste momento, Julião, contra sua vontade, cobriu-a de beijos.
(...) ... Mal te vejo, todos os deveres desaparecem, sinto apenas amor por ti, ou antes, a palavra amor é fraca demais. Sinto por ti o que devia sentir unicamente por Deus: uma mistura de respeito, de amor, de obediência... Na verdade, não sei o que me inspiras...
(...) Explica-me isto, bem claramente, antes que eu te deixe, quero ver claro no meu coração; porque daqui a dois meses deixar-nos-emos... A propósito: separar-nos-emos? - disse-lhe sorrindo."

Stendhal, in Vermelho e negro

[... Tão pouca razão e nenhum raciocínio... Por isso o amor desgraça tudo, e é ao mesmo tempo a única graça de tudo, em tudo. Desgracemo-nos então, ou viveremos para sempre desgraçados. ]
É bom quando sentimos as pessoas voltar a nós, pessoas de quem gostamos e de quem nos custou afastar, por uma ou outra razão, mas com razão suficiente para isso. Quando se gosta, a distância só se impõe se for obrigatória ou resultar de se estar magoado. Aí acontece naturalmente, e é uma consequência amarga, mas a que não se pode fugir se formos verdadeiros connosco, com o que queremos das relações, e com os outros. Sempre que me distanciei foi por me sentir magoada, e é bom sentir que essas pessoas agora voltam a mim, que me procuram, que se preocupam. E isso é bom de sentir, e doce, e apaga as mágoas. E na fase da vida que estou, é bom sentir isso, sinto-me menos só e um  bocadinho valorizada, afinal voltaram por alguma coisa, eu era-lhes e sou, alguma coisa. E isso, no meio disto tudo, é bom.

Bom dia!
"Teria sido sensível a uma ternura ingênua e quase tímida, enquanto que a alma altiva de Matilde necessitava sempre de ter a ideia dum público e dos outros.
No meio de todas as suas angústias, de todos os receios pela vida daquele amante, ao qual não queria sobreviver, ela tinha uma necessidade secreta de causar admiração no público com o excesso do seu amor e a sublimidade dos seus empreendimentos. Julião sentia-se de mau humor por não se comover com todo aquele heroísmo.
(...)
"É estranho", dizia para consigo Julião, um dia, quando Matilde saía da prisão, "que uma tão grande paixão de que sou objecto me deixe de tal forma insensível! E há dois meses adorava-a! (...) Sou portanto um egoísta?" E fazia a si próprio, a este respeito, as mais humilhantes censuras. A ambição tinha morrido no seu coração, uma outra paixão saíra das cinzas; ele chamava-lhe remorso, por ter tentado assassinar a senhora de Rênal. De facto estava perdidamente apaixonado por ela. Sentia uma felicidade estranha quando, deixado absolutamente só e sem receio de ser interrompido, podia entregar-se completamente à recordação dos dias felizes que passara em Verriéres e outras vezes em Vergy. Os menores incidentes desses tempos, tão depressa decorridos, tinham para ele uma frescura e um encanto irresistíveis. Nunca pensava nos seus êxitos em Paris; aborreciam-no."

Stendhal, in Vermelho e negro

Impressionante, vem tudo nos bons livros (até aquela curiosidade minha daquele prazo inexplicável dos dois meses, pelos vistos é universal e eu não sabia!!... Santa ignorância!), aquilo que se faz com um propósito, com um futuro, com um fito, deixa de existir quando estamos perante algo que nos obriga a fazer o balanço da vida, a recordar o que nos tocou e valeu viver. A vida que sentimos ao longo da vida. O que vivemos sem um propósito, o que vivemos sem razão alguma que não fosse apenas vive: quando vivemos o agora - sem futuro, ou sem pensar nele. Tudo se relativiza, e só sobrevive o essencial, o que nos fez sentir felizes e vivos, o resto enevoa-se e esquece-se. Quando o propósito ou a razão se dissipam, tudo isso desaparece com eles, fica o que se viveu por gosto e vontade de viver.
O que fica foi o que nos tocou, o resto foi  tempo que passou e que não tocámos, passou só.