Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

27 julho 2013


"Então tu pensas que há muitos casais como nós por esse mundo? Os nossos mimos, a nossa intimidade, as nossas carícias são só nossas; no nosso amor não há cansaços, não há fastios, meu pequenito adorado! Como o meu desequilibrado e inconstante coração d'artista se prendeu a ti! Como um raminho de hera que criou raízes e que se agarra cada vez mais. Vim para os teus braços chicoteada pela vida e quando às vezes deito a cabeça no teu peito, passa nos meus olhos, como uma visão de horror, a minha solidão tamanha no meio de tanta gente! A minha imensa solidão de dantes que me pôs frio na alma. Eu era um pequenino inverno que tremia sempre; era como essa roseira que temos na varanda do Castelo que está quase sempre cheia de botões mas que nunca dá rosas! Na vida, agora há só tu e eu, mais ninguém. De mim não sei que mais te dizer: como bem mas durmo mal; falta-me todas as manhãs o primeiro olhar duns lindos olhos claros que são todo o meu bem." 

Florbela Espanca, in "Correspondência (1921)

[talvez penses que há muito por aí do que encontro só quando estou contigo: eu não, por isso ainda te penso, ainda sei o que é ter e o que é não ter o que quero. Eu quero sem saber o que queria, antes de o encontrar, há coisas que se descobrem assim, na surpresa do não procurar nada e tropeçarmos no reconhecimento do que gostamos, do que queremos, do que precisamos, sem nunca o ter sonhado. Para mim é raro, tudo o que sinto é raro e rico, sei da solidão e sei da paz da companhia que nos faz mais nós. O nós em que consigo ser eu inteira. E é por isto que continua sempre, e todos os dias, a faltar-me de manhã o primeiro olhar onde me vejo realmente eu.]