Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

31 março 2015


... Verdade.
Hoje sonhei. Sonhei contigo e não sei quem és. Falávamos de operações de financiamento (coisa tonta, pois, falávamos e ríamos) mas os teus olhos falavam mais alto e financiaram-me um bilhete de ida até ti. Tinhas um sorriso lindo, franco, limpo, cheio de afectos por entregar e beijos por roubar. Dei por mim a passar-te as mãos pelo cabelo, olhaste para mim e achaste tu o meu sorriso bonito de meigo, de doce. Senti-me bonita, pelo espelho que se fez o teu olhar, pela maneira como me puseste as mãos na cintura e me puxaste para ti, para me encaixares num abraço quente, genuíno, confortável - daqueles onde se pode fazer casa e morar uma vida. Não querias que me viesse embora, querias que ficasse, tinhas uma casa com uma janela enorme, cheia de horizonte, luz a transbordar as portadas, e querias que me sentasse, de mãos dadas, com todos os beijos por dar - sempre -, a olhar juntos o horizonte, de janela aberta. Não querias que me viesse embora... Não é extraordinário?... quererem que eu fique? E eu queria muito, tanto, não querer vir embora. Ficar. O teu sorriso era limpo e era meu. 
Ponho-me aqui a pensar, e suponho não haver nada melhor do que o sorriso de alguém que gostamos ser nosso...
Sonhei contigo e não faço ideia de quem sejas, não existes no mundo que piso, em que acordo e de que quero adormecer. Para estar contigo. Não querias que eu viesse embora, e eu podia passar o resto da vida a fazer-te mimos e a passar-te as mãos pelo cabelo se me continuasses a sorrir assim, com amor doce e vontade de mim.

Bom dia


O último cigarro da noite. A porta da varanda aberta, eu encostada à portada. Já não ponho as pernas do lado de fora, sentada no degrau. Fico a pensar porquê... das últimas vezes que aqui vim fumar o derradeiro cigarro do dia sentei-me assim. E agora fiquei a pensar nisso, no porquê disso, até nisso eu me dedico a pensar... Sei que tudo mudou, e no entanto, tudo parece na mesma. Às vezes, às vezes parece que está tudo na mesma, mas não. A vida continua, é certo, mas não continua na mesma, inalterada. De repente percebemos que a ideia com que crescemos, o futuro como o pensámos, desapareceu. Tudo o que me habituei a ter como certo, a ter em conta em tudo o que envolvia futuro, desembrulhou-me da ideia que tinha, mas como que me deixou embrulhada num desconhecido a que me falta uma espécie de âncora. De repente não pareço eu, de repente parece que não reconheço a minha vida, ou o futuro que sempre esperei. De repente tudo mudou, mas os dias, os meus dias, pouco se alteraram. E é estranho, é tudo estranho. Grande parte do que eu sou, no que até hoje me tornei e me moldou, tem origem em algo que já não existe, e é como se o que me definia em tão grande parte desapareceu eu como que me torno indefinida, perdi parte da minha identidade, e do futuro como me habituei a pensá-lo. Sou a mesma, os dias pouco se alteraram, mas a minha vida enquanto todo, enquanto plano e ideia, esfumou-se. E é estranho ter um futuro tão diferente se o passado está intacto. Mas eu? Eu estarei intacta se um buraco se abriu em mim onde dantes estava uma parte grande do que me fez quem sou, do que me definiu sempre? O que mudou, onde mudei? Agora sento-me aqui a fumar o último cigarro sem ser no degrau da varanda, com as pernas do lado de dentro. Estou encostada à portada e não sei porquê. E penso nisto e no futuro que criei na minha cabeça desde que me conheço e me desapareceu.

Boa noite