Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

16 agosto 2014

Acordo a soluçar, a dizer repetidamente "não esteja assim", "não fique assim", e lembro-me daqueles olhos que olhavam para mim, quase suplicantes sem quererem mostrar-se suplicantes. Lembro-me daquele olhar e de lhe dar a mão e de lhe fazer festinhas, no sonho abraço-o e é assim que acordo a dizer para não estar assim, não ficar assim, mas sente-se o sofrimento por trás da dignidade. Sente-se muito. E abraço-o e penso que o abracei pouco e que chorei pouco e agora faço em sonhos o que devia ter feito, o que queria ter feito, ou não o sonharia tanto. Comigo tudo é lento, até a falta, até o arrumar, até o saber viver assim, o saber viver e pronto. Penso que tenho de abraçar mais a minha mãe, olhar mais nos olhos do meu pai, tentar estar mais perto dos dois. Eu sou lenta mas vou aprendendo à medida que vou chorando. Talvez isso ajude a ser cada vez menos tarde. Há pessoas que já não posso abraçar, só sonhar. Digo isto e penso que é válido para todos os abraços que se querem, mais vale abraçar quem posso ainda e agora, e esvaziar os sonhos que andam sempre atrasados. Os meus pelo menos, deve ser genético, até os meus sonhos são atrasados...
Ontem perguntaram-me: "qual é  a sua filosofia de vida, se tivesse de a definir, como a definiria?" E eu, de repente fiquei muda, não sabia o que responder, nunca tinha pensado nisso. Durante uns segundos pensei o que me fazia sentir viva, o que me fazia as vezes dar graças por estar viva, e depois respondi exactamente isto, que gravei na memória: "Ter o mais possivel momentos onde se pode pôr a vida toda." E depois fiquei a pensar naquilo, porque procurei em mim aquilo que é a minha verdade, o que quero da vida, o que me preenche. Fiquei a pensar naquilo que me saiu de dentro e que me define. Tentei pensar em coisas, momentos, situações, que me fazem ou fizeram sentir plena. E chego à conclusão que são as coisas mais diversas e diferentes entre si, mas sempre puras, genuínas, cruas até, mas que têm de comum fazer-me sentir a mim mesma, em contacto com a minha essência, que eu não sei o que é mas que nessas alturas sinto, sinto plenamente. São coisas tão simples como uma frase que se lê e se me encaixa tão perfeitamente que me faz entender e concretizar, verbalizar, coisas que sabia ou sentia mas não sabia dizer; outras podem ser a gargalhada mais verdadeira, mais pura, mais genuína, que alguém provoca, e que se me sai essa gargalhada, é porque a intimidade é confortável, próxima e devolve-me a mim. Outras são coisas tão estranhas como a cumplicidade perfeita dum olhar, da inutilidade das palavras face a coisas tão maiores e mais extraordinárias que a sua explicação, que não existe ou não é razoável, para quem não a sente. Outras podem ser um abraço que me devolve a minha metade que perdi algures na vida, ou ainda antes, e só alguns abraços me devolvem, como uma casa sem morada a que se regressa. E beijos, há beijos que valem uma vida, e têm a vida toda dentro. Há alturas em que parece que valem uma vida inteira, porque duram a vida inteira, mesmo depois de nos sentirmos mortos e extintos. O pior é viver sem eles, ou com aqueles que não chegam a ter vida bastante para que algo nasça, ou eu sinta a minha essência. E a minha essência é afinal aquilo que será a minha filosofia de vida. E como alguém dizia a olhar para as minhas estrelas, eu sou uma mulher feita para amar, para o amor, para a partilha, maternal e erótica, num equilíbrio difícil em que o fiel é o amor, ou tudo desmorona, e não serei nenhuma delas. Se desistir disso enegreço, seco, esgoto-me, morro. Nessa altura talvez as fachadas me cheguem. Por enquanto quero amar, quero que me amem, e amem o amor que sei dar, como sei dar. Quero que me amem em essência, essencialmente.

Boa noite.