Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

01 junho 2015

Escuridão é ausência de luz.
As sombras são fruto da luz.
Os nossos medos habitam-nos as sombras,
Porque ter medo implica arriscar
Só arrisca quem tem a perder.
As sombras conhecem a luz.
Não são escuridão.
Só tem medo do escuro quem conheceu a luz.
Só tem medo da luz quem habituou os olhos à escuridão.

Fiquei a pensar nesta coisa da essência... e lá por alguém ser em essência uma coisa não quer dizer que não possa em determinado momento e por vários motivos ou circunstâncias fazer alguma coisa fora do que lhe é natural. Uma pessoa em essência fraca não está impedida de em certas alturas conseguir ser forte, assim como alguém com força de espírito também fraqueja, também sucumbe. Alguém de mau carácter também pode ter atitudes moralmente decentes, assim como um bom carácter pode perder a cabeça e ser às vezes um estafermo... Tendo a concluir que nada é estanque, definitivo e fixo na vida, muito menos nós; apenas variamos e moldamo-nos em cima do que a nossa essência tem por estrutura, e nos deixa moldar e ceder.... e passar dos carretos também.
Curiosamente a essência é aquilo a que sempre voltamos, porque é o que somos, é a nossa maneira de responder à vida, mas sempre haverá excepções, parece-me, e essas não desfazem quem somos, apenas confirmam por serem (um)a excepção.
Bom, e agora vou-me pirar, que apetece-me uma esplanada e um fiozinho de sol e hoje ainda há tempo... acho eu.
... o pior é que é verdade...
depois de a alma sofrer tantos desvarios e apunhaladas,
é difícil acreditar que mantém a mesma essência, a mesma alma, apenas com mais medo, com mais defesas. Qualquer flor parece um punhal, um espinho gigante à espera da nossa pele para se alojar.
Mas acho que as pessoas de alma grande, (como alguém um dia me chamou lembro-me agora por me sair esta expressão), mesmo com a centrifugação acelerada da vida, das mentiras que nos torcem e distorcem, das dores que nos encolhem, dos medos que nos paralisam, das coisas que nos fazem ferver e gelar, da proximidade a que nos deixamos estar e entregar, oferecendo conscientemente a possibilidade do punhal a quem achamos que nunca nos faria mal - essas almas, acredito que por muito que sofram, e passem, e a vida não lhes corra como gostariam, não conseguem encolher a alma, encarquilhar definitivamente o olhar, tornarem-se rasteiras, baixas e mesquinhas, cruéis ou mentirosas. Não conseguem, e não é que às vezes as ideias não lhes atravessem o pensamento, mas simplesmente, depois, não se sabe porquê, não se consegue passar do pensamento.
A essência é uma coisa que por muito que passe não passa.
Para o bem e para o mal.
O que acontece é que só se vê a diferença quando nos apunhalam, enquanto só nos dão flores nada se demonstra. 
E quando só nos dão facadas há tempo demais, já nem nos lembramos de como era sentir as flores dentro do olhar quente de quem nos queria dar flores, mesmo que não desse.
Já não me lembro, quero recuperar essa memória com verbos no presente. 
Pode demorar tempo, demorará, eu sei, mas um dia.... um dia, quem sabe.

Bom Dia

Sento-me aqui, à janela, a fumar o cigarro que o frio desencorajou de fumar lá fora, e penso nesta minha mania de ir lendo os livros e de os ir marcando quando alguma coisa que leio me marca, me faz parar a leitura para reler e pensar, e entender, essa coisa que é a vida, e que dizem que é o que andamos cá a fazer. Tento perceber como se podem pensar as mesmas coisas de maneiras tão diferentes de mim, às vezes, e outras tão parecidas. Acabei de ler "A Trégua", de Mario Benedetti, no fim‑de‑semana passado numa esplanada à tarde, e estive até agora a transcrever algumas das passagens que fui marcando. E ponho-me também a pensar porque farei isto, por que o faço há tanto tempo?, e uma das razões é que gosto de reler, de vez em quando, esses excertos e assim ficam registados aqui, como tantas outras coisas que gosto de reler. Mas enquanto o faço outra coisa acontece, é que vejo agora alguns sinais, algumas subtilezas do autor, que só depois do livro lido se percebem, e apercebem, plenamente. Como se realmente pequenos pormenores só se entendam com a história completa e revendo o passado. Penso que na vida, se calhar, também será assim, se pudermos ter registo desses pormenores para os rever, os reler, os entender a outra luz, talvez. A luz da vida que passou no tempo. 
Ainda não acabei, faltam algumas passagens, quando estiver completo vou deixando aqui. Agora tenho a cabeça cheia de coisas, tenho de as esfumaçar em silêncio e escuridão - onde as pequenas coisas que valem a pena brilham mais. As que têm luz própria.

Boa noite