Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

22 abril 2014


- Preciso de ti. E agora, o que é que eu faço? 
- Querer-me sem ser preciso. 

[...surgem-me diálogos destes na cabeça, sem aviso, normalmente ao acordar. Estas duas frases perseguiram-me o dia todo. Largo-as aqui para que me larguem.]
...hummmm não faço ideia....
o que ando a pensar é que livro vou começar logo à noite... 
se a Anna Karenina, se os Irmãos Karamazov, se um do Paul Auster que não me lembro o nome, se o processo do Kafka (não me apetece este na verdade, em processo Kafkiano ando eu há tempo demais...), se o Cemitério de Pianos do José Luís Peixoto, se o Vermelho e Negro de Stendhal (este tem uma muito boa probabilidade de ser o escolhido...)
... há coisas em que ter tanto por onde escolher baralha, e outras em que não importa quando ou quantos, sabemos exactamente aquilo que queremos.
Com os livros ando sempre uns tempos indecisa... logo à noite se verá.
(se alguém se quiser chegar à frente com uma sugestão, sou toda ouvidos...)

Atrasada para a reunião, claro!
Do outro lado da mesa, aquele sorriso demasiado polido, ainda que levemente sedutor, mãos bonitas com gestos que não condizem, ou nada dizem. Uma cara interessante... se ao menos não falasse para desiludir, se ao menos não se notasse a falta de ganas, de fibra, se ao menos o aperto de mão não fosse uma coisa quase não assumida... se ao menos os homens quando são interessantes por fora não desiludissem por dentro...
Sempre fugi de homens fisicamente interessantes - para não levar tampas, obviamente-, e porque sempre achei que eram parvos, pedantes e convencidos... not my style, a não ser para ver, claro!! E cada vez estou mais convicta: homens fisicamente interessantes não têm de se destacar em mais nada, e então, como dizia alguém, basta encostarem-se ao balcão e esperar... é pouco.
Enfim, mas dão uma boa paisagem, mais do que poderão dizer de mim, é um facto...
Bom Dia!
"Espreito. Continua a dormir. Não resisto à tentação do vício antigo e, guloso da sua beleza, levanto a roupa, fico-me a admirá-la num arroubo que soma os desejos da vida inteira. Mas cubro-a ao ver que treme num arrepio e passo o braço sob o seu pescoço, dou-lhe o meu calor.
Com uma ternura que nunca antes conheci beijo-lhe ao de leve os cabelos e a fronte, a face. Saciado de corpo e alma, afagado pela memória da noite, prendo a sua mão na minha e volto a adormecer.
(...)
Isso é o que ontem nos uniu. O que provavelmente nos separa, e a torna a ela distante e a mim melancólico, é a fantasia. A sua franqueza não quer enfeites, não conhece esperas nem precisa de sonhos. Nela só o corpo dá, só o corpo recebe e partilha. Sensibilidade e alma ficam de fora, assistem, mas não participam, são o escudo que um dia poderá opôr às recordações.
Eu, ao contrário, logo me perco a imaginar e sonho com mais, mais alto, mais intenso, cavo desatinadamente o desengano. Falo comigo próprio, mas é ao Gato que oiço e compreendo melhor as suas confidências, o desespero de não conseguir explicar o seu amor.
(...)
- Vê se não esqueces nada.
Mas ela não me escuta, e sem se importar com a chuva espera na rua, começa aos pulos de criança quando o carro dobra a esquina.
O homem sai, mas mal o vejo, Laura a abraçá-lo num frenesim de beijos e afagos. Só agora que se encaminham para mim, ela sem o largar, é que distingo não ser ele o jovem loiro de olhos azuis da minha fantasia, mas homem da mesma idade, cabelo grisalho e boa aparência, vestido com uma elegância de italiano."

J. Rentes de Carvalho, in A Amante Holandesa

[Acabou. Fico a pensar neste final do livro e no que ele me faz perceber, concretizar e resumir: as coisas nunca acabam por aquilo em que achamos que são impossíveis. É sempre alguma coisa que não esperamos que nos derruba. Talvez por isso, por não esperarmos, é que sucumbimos. 
No caso dele, na cabeça dele, a impossibilidade seria a idade, as diferenças, e afinal o amor dela vivia precisamente a possibilidade dessa impossibilidade aos olhos dele.
E eu tenho percebido isto, é o que não esperamos que nos derruba, porque o resto julgamos entender e acomodar no nosso olhar sobre a vida, mesmo que não concordemos e ainda que não gostemos. O que não esperamos atinge-nos no estômago fatalmente, sucumbimos e aterramos, não temos reacção. Era tudo o que não esperávamos. É a possibilidade real duma impossibilidade que não nos ocorreu.
A impossibilidade nunca está onde a esperamos.
Acabou o livro. Muito bom. Tenho de escolher a próxima vítima.
E agora tenho mesmo de ir fumar outro cigarro. E amanhã não sei como vai ser para levantar e rumar ao trabalho. Vou tentar pensar em todas as possibilidades que agora me assomam impossíveis. Não quero que me derrubem. Outra vez.]
Boa Noite, outra vez.