Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

17 outubro 2014

[foto de Andy Lee]

"Há séculos que te esperava para fugirmos. E não sabia
que a fuga era possível, pelas estradas de giestas em
direcção ao mar. Dorme, e consente que o meu coração
escute o teu. Quero arder contigo, nesta eternidade feita
de pontes atravessadas, kms nocturnos e segundos de asfalto."

Al Berto

Não sei o que é isso da espera quando já não se olha a porta, quando a janela já não nos espreita, quando já nos fecharam todas as portas e sumiram a luz das janelas.
Já não sei do tempo que passou, nem se passa. Não o sinto, nada muda. Tempo que é tempo sente-se no que muda.
Não sei o que é isso das estradas e das fugas, porque os caminhos somos nós e nunca sabemos fugir de nós, mesmo que se finja. Não há caminho para fora de nós por muitos atalhos que enveredemos.
Não há pontes que atravessemos sem nos levarmos dentro. Por muitas pontes que se queimem, o que nos queima continua a queimar, o que nos gela continua a gelar-nos.
Por kilometros que se façam, a paisagem que levamos dentro não altera a paisagem de fora, por muito que ela mude e o tempo passe.
A luz que falta, a porta fechada, o ecrã vazio e silêncio mudo de afectos.
...hoje estou assim: no cinzento das certezas duras que não se duvidam, ainda que não se saibam. 
Não sei explicar, não consigo explicar, e se conseguisse de nada valeria porque há coisas que não vão lá com explicações. Sabem-se - sem qualquer explicação - como se ama sem razão, ninguém entende e não se explica. Tal como não se explica que hoje tenha sonhado durante a noite alguma coisa que me deixou a boca com esta frase dentro "...mais uma vez tinha razão...", como sempre aliás... o começo duma conversa que já acabou. Um diálogo que na verdade nunca começou. Um diálogo são duas pessoas, eu nunca saí do monólogo partilhado com o silêncio. 
Hoje estou mais cinzenta que o tempo, uma cor fechada, trancada por dentro, e sim, claro, para mim  tudo é simples, tudo é fácil, engano-me poucas vezes e aguento sempre tudo... aliás "... ela também já está à espera...." frases que a noite me deixou e eu quero engolir e esquecer e arrumar e enterrar. 
Precisava que hoje o fim do dia me acolhesse em casa com carinho, com mimo, com a ternura por que grito por dentro, com doçura e descanso.
Estou tão cansada. Há tanto tempo que preciso dos fins de tarde bons, sem medo do amanhã, sem medo de amanhã não ter colo, de o mimo se desfazer e a doçura me fugir.
E os hojes vão-se sempre embora rápido e deixam-me sempre sozinha.
Estou já tão cansada e ainda agora o hoje nem a meio vai.

Bom Dia



[foto de Daiga Atvare]

Tocas-me?

(que belas sinfonias os silêncios tocavam se nos tocávamos, sem pautas, sem maestro, na espontaneidade da música dum riso, duma gargalhada, dum olhar traquina de malandro, ou tão profundo de se ler a beijos que engolem a alma.
Agora o silêncio é vazio, remediado com recordações que não se querem. Pautas que nunca foram escritas, mas que se me gravaram na pele, não há maneira de as apagar, queimar, ou dar a alguém que mas toque para fingir que és tu que me tocas.)

Boa Noite