Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

08 maio 2012


Devia ir dormir, já devia ter ido, hoje dói-me o corpo, nem sei bem porquê, parece que peso mais do que o peso que tenho, que para andar direita preciso de mais força, não sei, sei que já devia estar na cama, mas vou-me arrastando por aqui, hoje, ontem e tantas vezes, acho que para preencher o tempo, como se dormindo não o preenchesse melhor, mas a esta hora parece-me sempre que não, porque esta hora, como o final da tarde, é sempre pior, dói sempre mais um bocadinho, e se me perguntarem não sei porquê, mas sei que é assim. Ontem, depois de muito enrolar tempo em tempo fui ao mail, ao mail onde tenho guardada a história que não chegou a ser nossa, mas que sinto ainda tão minha, ainda me corre no sangue, e conforme ia desligar sem querer abri um dos mails, e era uma conversa nossa, daquelas intermináveis, que dava para tudo, para rir até doer a barriga, para namorar, para discutir fotografias, para disparatar, para falar de tudo e tantas vezes de nada, mas um nada que era nosso, que nós gostávamos, ou eu gostava, o resto não sei. E essa conversa que acabava perto das seis da manhã, depois de termos rido à gargalhada e percorrido à distância toda a pele que cobria o outro, conversámos como se o futuro fosse amanhã, fosse já ali ao virar da esquina, como  se houvesse futuro afinal, como se outra coisa não pudesse haver, e como seria, o que gostávamos de fazer, o que gostávamos que fossem os nossos pequenos bocadinhos, os jantares sozinhos sempre que desse ao fim de semana ou à semana, o passear a pé, o ir para qualquer lado, cada um munido do seu livro, e ler e namorar nos entretantos, e enroscarmo-nos, o não querermos sair muito à noite e preferirmos ficar em casa à noite enrolados em nós e num filme, ou só com uma garrafa de vinho a meias, a lareira e nós, ou a lua no verão a entrar-nos pela janela aberta. Os jantares na varanda, ou as refeições na cama de que se púdessemos não sairíamos, e na ronha nos deixássemos ficar até fartar, ou até nos fartar a fome. Não sei, sei que dou por mim a ler estas coisas e a não perceber o que não percebi, onde me perdi porque me encontrei, onde fiquei que na curva perdeste-me o futuro, e não chegámos a amanhã, e eu fiquei-me em ontem. Em ontem não, que não me queres saber há tempo, já sei, mas parece-me ontem, há bocado, ou ainda agora. Não há futuro, mas parece que também não há tempo, não o sinto passar e aqui estou eu a enrolar-me nele para ele se ir enovelando e amontoando, mas nunca mais chega amanhã, o meu amanhã.
Até amanhã.