Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

30 agosto 2011

O que pensei estas semanas? Nada, acho que não pensei nada. Só que o amor não tira férias, se tira vem queimado e nunca foi amor. De resto,, fiquei apenas a dedilhar o silêncio do tempo na sua música cruel.

26 agosto 2011

"Viver só. Estar só até à morte. Ninguém quer conhecer-nos para nos amar. Defendermo-nos sem uma falha de atenção. Fechar a porta com duas voltas. E vir então para a rua. E ser quotidiano e medíocre. E ser amável. "


"Que te ignorem, te suprimam, em que é que isso te pode chatear? Está só, que estás bem. Reinventa aí toda a razão de viver. Que os outros sejam em público na grandeza para que nasceram. Não nasceste para isso. E vai-os olhando como espectros de um outro mundo. Conseguires ausentar-te totalmente e estares presente a ti próprio. É quanto chega. Sê todo em ti na exacta medida em que fores nada para os outros."


Vergílio Ferreira, Conta-corrente I


Incrivel, como se falasse por mim.
Também eu não sei ser em público, só sei ser público. E nunca niguém me conheceu e me amou, ou me conheceu para me amar, ou me amou conhecendo-me. Mas esqueci-me uma vez de fechar a porta com duas voltas antes de ir para a rua. Assaltaram-me, agora estou despojada de mim como era e devolveram-me o que não sabia já ser. Saíram, fugiram e deixaram a porta escancarada, e descubro que não sei viver assim. Descubro que não sei viver. Ainda não sei ser plena, sendo nada para os outros. Os outros, os "meus" outros, são também eu e o que me vejo, como me vejo. Não sei ser sem eles, mas aprenderei. Não tenho mesmo outro remédio. Viver só.

24 agosto 2011

"Eis porque o prazer de uma «fantasia»...Impossível ou difícil para mais gente do que se supõe. Carrément. O peso da «irregularidade» a estragar o prazer. E todavia, uma subtil insinuação de «fraqueza». Ser «forte» explica a assunção do «pecado»? Ser mau é ser bom? A virtude terá raízes pecaminosas - e vice-versa? É-se «moral» pela cobardia de não aguentar o incómodo da «imoralidade»?, de se saber que essa imoraçlidade iria magoar outrem se a conhecesse? Por sobre tudo, no meio de tudo, a horrível sedução. O ter o fruto à mão, com o seu violento apetite, e não o colher. Na infinitesimal fronteira, a incandescência da loucura. Sabe-se como é que se pode enlouquecer. Um pequeníssimo desvio. Um breve toque mais. Recuar para cá - um esforço violento. Curiosamente, a intensidade do prazer prometido, a intensidade da sua possibilidade, arrasta consigo a dificuldade moral de o conseguir. E a loucura está no crescimento simultâneo das duas tensões. Para que o salto se dê, é necessário que uma delas abrande."
               Vergílio Ferreira, Conta-corrente I

A virtude, ou é natural porque assenta no pecado, e este sim é natural (?), ou assenta no constante evitar do pecado, ou seja, não é uma virtude "natural" ou intrinseca, é um evitar de. Nunca tinha pensado nisto antes de começar a ler este livro, que a virtude vive sempre do pecado, duma ou doutra forma. Em sentido figurado, obviamente, porque pecado é uma invenção da Igreja, para suportar e aclamar a virtude suponho.  E vamos todos atrás. Porque para onde me remete isto é: O que é então a virtude? em que assenta? Na vontade de fazer bem "o" bem, ou só no fazê-lo?

23 agosto 2011

Sim realmente sou inquieta, mas não vivo da inquietação, principalmente se se apelidam de inquietação, ou já teria morrido há muito. De qualquer maneira é mais um defeito a acrescentar à já vasta lista que possuo..

21 agosto 2011

"Há uma imagem de nós nos outros e há o que em nós permanece e reconhecemos, quando uma pequena fenda se abre. Valerá a pena mudar? Mesmo que esse outro de nós seja real? A ironia, o riso, é um dado real de mim. Valerá a pena sobrepô-lo ao mais? Não é esse mais o quase tudo?" Vergílio Ferreira, conta-corrente II
"A grandeza de tudo está na grandeza com que se for esse tudo. Não nesse tudo."

"Quando a vida nos habitua a desprendermo-nos dela, a firmarmos o pé em  nada, vive-se obviamente no provisório. E se o que mais amamos falha sempre ou disso nos ameaça, o recurso é, para haver o que amar, amar-se o que como «ideal» nunca falha - a harmonia, a tolerância, a paz. Por mim e por sobre tudo, amo a vida, que é onde acontece o que se há-de amar ou não."

Vergílio Ferreira, Conta-corrente I
E quando o «ideal» falha? Quando começamos a questionar o nosso ideal?? Tudo se torna provisório? Por isso é o nosso mundo, e a nossa sociedade de consumo imediato, e por isso tudo tão provisório?? É o reflexo da falta de ideais que nos guiem?? E que não falhem?? 

Talvez eu me converta ao eterno provisório de facto, porque começa-me a falhar o ideal de mim mesma, e do que valorizo na vida para a conseguir amar. Para conseguir amar.

19 agosto 2011


"Estar-se cheio, tenso, farto, às vezes no limite da loucura. Cintado de moral, da vigilância dos princípios, do "parece mal". E da cobardia, decerto, e do comodismo. E uma vontade oculta de se rebentar com tudo. Ser-se livre, como quem já nada tem a arriscar. O mais difícil, é que tudo seria fácil. Porque, se fosse difícil, era mais fácil de aguentar, (...) Foi possível, porque já nada havia a perder. O cálculo do futuro não entra já no seu cálculo."

"Cansado. O futuro restrito. A vontade de chegarmos à beira e atirarmo-nos. A monotonia dos dias fiscalizados, a sedução do diferente. Digo diferente. Só o pecado é diferente. Ou sobretudo. Será talvez útil regressar ao pecado de vez em quando, para que a virtude seja mais suportável? Mas não é fácil. É preciso coragem. Coragem? Que é isso de coragem? Em todo o caso, não propriamente pelo pecado em si (para subdesenvolvidos morais como eu, ele pesa), mas porque não é fácil equilibrar o prazer dele com as chatices anteposteriores." 

Vergílio Ferreira, Conta-Corrente I
Parece que escreve para mim em tanta coisa, e faz-me parar muitas vezes a pensar, e dar por mim a sorrir por entender tão bem, e por me sentir menos diferente. Há quem goste de ser diferente, eu não, e pelos vistos tenho razão, porque " só o pecado é diferente", e só serve para se prosseguir a pureza das virtudes... apoiada no pecado.

17 agosto 2011

"As gerações futuras deverão desembaraçar-se do tempo. Parece que já o tentam. Vida em superficies lisas, desinfectadas, vida no instantâneo presente."

"Aliás a sua razão não funciona (nenhuma razão) no que é a quase totalidade da vida humana. O que nos importa passa por outro lado. Quando a razão lá chega, já tudo está decidido"

Vergílio Ferreira, Conta-corrente I
Algo me diz que vou gostar muito de ler este senhor, e ainda agora comecei.

14 agosto 2011

"Ah! bem sabia que me amavas. Os teus primeiros olhares, esses olhares cheios de alma, o teu primeiro aperto de mão, disseram-mo, e todavia quando te deixava, ou que via Alberto a teu lado, tornava a cair nas minhas devoradoras dúvidas."

Goethe, Werther

Mesmo findo o livro, não, não sei se ela o amava na verdade, sei que não o queria amar, sei que se queria convencer que não, que a ser amor seria amor fraterno, compaixão, amizade. Ainda assim, concluído o livro e as últimas reacções da bem amada de Werther, não sei se ele era, de facto, amado ou não por ela. Uma dúvida, no entanto, não tenho, não o amava como ele a ela. Disso não há dúvida, ele morreu por isso. Dela diz-se apenas nas últimas linhas, que se temia também pela sua vida desde a morte dele.
"O que é o homem, esse semideus tão gabado? Não lhe faltam as forças precisamente no momento em que lhe são mais necessárias? E quando ele toma voo na ventura, ou que se abisma na tristeza, não será então ainda limitado, e sempre reconduzido ao sentimento de si próprio, ao triste sentimento da sua pequenez quando contava perder-se no infinito?"

Goethe, Werther

12 agosto 2011

" «Ou tens alguma esperança de êxito junto de Carlota ou não tens. Bem! No primeiro caso procura realizar essa esperança e obter a realização dos teus desejos; no segundo, robustece a tua coragem e livra-te de uma desgraçada paixão que acabará por consumir as tuas forças.» Meu amigo, isso é bem dito... é fácil de dizer!
E esse desgraçado, cuja vida se apaga minada por uma lenta e incurável doença, podes tu exigir dele que ponha fim aos seus tormentos com uma punhalada?, e o mal que lhe devora as forças não lhe tirará ao mesmo tempo a força de se libertar dela? "

Goethe, Werther
Não importa a época, o ser humano é igual e intemporal. Eu já pensei isto, e já no século XVIII o pensaram e o escreveram.
A humanidade persiste no sentir, no viver que toca o que de mais fundamental temos, aí somos todos iguais. Quando sentimos somos todos muito iguais, quem assim não for, não sente.
"Que figura de parvo eu tenho na sociedade quando me falam nela! Se tu visses quando me perguntam com gravidade se eu gosto dela! Gostar! Odeio esta palavra até à morte. Que homem será aquele de quem Carlota gostar, ao qual não encha ela todos os sentidos e todo o ser. Gostar! Ultimamente alguém me perguntou se eu gostava de Ossian!..."
          Goethe, Werther

Percebo perfeitamente, mas comigo é simpatizar.

10 agosto 2011

"(...) em um elefante há dois elefantes, um que aprende o que se lhe ensina e outro que persistirá em ignorar tudo, Como sabes tu isso, Descobri que sou tal qual elefante, uma parte de mim aprende, a outra ignora o que a outra parte aprendeu, e tanto mais vai ignorando quanto mais tempo vai vivendo, Não sou capaz de te seguir nesses jogos de palavras, Não sou eu quem joga com as palavras, são elas que jogam comigo "



José Saramago, A viagem do elefante
A mim acontece-me precisamente o mesmo, há uma parte que nunca aprende, e com as duas as palavras brincam. 

[o que é que aprendeste a ignorar que aprendeste?]

08 agosto 2011

Não sei que fazes,
 não sei que fazes ou por onde fazes,
sei que não me vês, não me falas, não me sabes.
Aí com os pés enfiados na água refrescas as ideias, em que eu não estou, nem nas novas, nem nas velhas.
E ontem o teu nome na minha boca, tantas, mas tantas vezes. Depois refresco as ideias e penso, sei, que eu não estou na tua, e não sei porque não te afasto duma vez, não te tiro de dentro duma vez. De alguma maneira, não importa como.

07 agosto 2011

"As vacas têm história, tornou o comandante a perguntar, sorrindo, Esta, sim, foram doze dias e doze noites nuns montes da galiza, com frio, e chuva, e gelo, e lama, e pedras como navalhas, e mato como unhas, e breves intervalos de descanso, e mais combates e investidas, e uivos, e mugidos, a história de uma vaca que se perdeu nos campos com a sua cria de leite, e se viu rodeada de lobos durante doze dias e doze noites, e foi obrigada a defender-se e a defender o filho, uma longuíssima batalha, a agonia de viver no limiar da morte, um círculo de dentes, de goelas abertas, as arremetidas bruscas, as  cornadas que não podiam falhar, de ter de lutar por si mesma e por um animalzinho que ainda não se podia valer, e também aqueles momentos em que o vitelo procurava as tetas da mãe, e sugava lentamente, enquanto os lobos se aproximavam, de espinhaço raso e orelhas aguçadas. Subhro respirou fundo e prosseguiu, Ao fim de doze dias a vaca foi encontrada e salva, mais o vitelo, e foram levados em triunfo para a aldeia, porém o conto não vai acabar aqui, continuou por mais dois dias, ao fim dos quais, porque se tinha tornado brava, porque aprendera a defender-se, porque ninguém podia já dominá-la ou sequer aproximar-se dela, a vaca foi morta, mataram-na, não os lobos que em doze dias vencera, mas os mesmos homens que a haviam salvo, talvez o próprio dono, incapaz de compreender que, tendo aprendido a lutar, aquele antes conformado e pacífico animal não poderia parar nunca mais. "

José Saramago, A viagem do elefante
Moral da história???  hummmm??
Isto fez-me pensar e pensar, e ainda não consegui descortinar uma conclusão lógica, uma qualquer conclusão moral que me agrade, ou pelo menos, que me responda à pergunta...com uma conclusão.

06 agosto 2011

"(...) a quem talvez não vejamos mais, ou talvez sim, porque a vida ri-se das previsões e põe palavras onde imaginámos silêncios, e súbitos regressos quando pensámos que não voltaríamos a encontrar-nos."

José Saramago, A viagem do Elefante

[e que palavras vão nesse silêncio? que previsões ou regressos?]