Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

14 janeiro 2015

...finalmente um bocadinho de sossego.
Hoje o dia correu, e ainda bem, e também correu bem, porque quando o dia corre o tempo não se sente, e então não se sente nada. Não se pensa em nada que possa parar o tempo, não se pode parar o que nem sentimos existir. E o que sentimos, tantas vezes não sabemos parar.
Agora faço-me ao caminho e é como ir descendo devagar aos andares subterrâneos de mim. A noite ajuda, a música embala-me. O que me lembra do que vinha a pensar de manhã no caminho inverso: apetrechei-me de música que não me tocasse as cordas da alma, encontrei um cd que, apesar de me ter sido oferecido há muito tempo, ainda não o tinha ouvido. Fui deixando-o ficar porque foi-me dado, foi copiado para mim, mas não foi feito para mim, para falar comigo. Foi copiado de outro, de um amigo que não conheço, que tinha bom gosto na música. E tinha; gosto do cd, duma faixa única, seguida, misturada. Gosto também porque são músicas sem memórias, não arrastam consigo os beijos, as conversas, os silêncios gozados num colo doce, as gargalhadas, os "adoro-a" a meio das conversas quando nada o previa, os "olá" que faziam reboot às conversas... estas músicas não trazem nada disso. Ouvi-as pela primeira vez há pouco tempo. Foi copiado para mim, foi-me dado, mas não foi feito para mim como outros, que - esses sim - logo minuciosamente ouvia tentando perceber nas entrelinhas algum significado que me fosse destinado, como tinham todos os que fiz para dar. Para lhe dar. E sei que percebia as entrelinhas quando lhe ouvi que tudo o que eu fazia tinha uma mensagem, desde as músicas à ordem por que estavam gravadas, e percebeu, percebeu-me. Soube-me por dentro do que eu nem sabia que tinha, mas descobri ao descobri-lo, e dei. Tudo. E quando ouvi esta frase não consegui deixar de sorrir por dentro, por me topar, pelo conforto que dá ser percebida e gostar, e gostarem. De não ter medo, e querer, que me vejam como sou, e ver que é assim que me vêem.  
Dos CDs que eram feitos para mim gostava da música, das músicas, mas o que eu adorava, o que me prendia nos sítios a que os ouvidos não chegam, era que tivessem sido feitos a pensar em mim; cada música escolhida, cada ritmo, cada letra. Em mim, para mim. Não uma composição copiada, não a cópia integral de algum cd, que também os tive assim. Alguns para me mostrar que eu tinha o exacto ritmo dos Portishead (que não conseguia ouvir sem se lembrar de mim, que aquilo era eu: a languidez, dizia); a alma dos Tindersticks (a nostalgia, a melancolia, que me era feita à medida); ou sonoridades que combinavam comigo, como os XX (que uma das vezes não aceitei, e só não o mandei à merda na altura porque não calhou; deixou-mo depois, em minha casa na sala, sem eu dar por isso; encontrei-o dias depois, e lembro-me disto e sorrio e acho-me estranha, como se tivesse sido ontem e já foi há anos, dois?, três? mais?.. não sei...); depois algumas letras de músicas que hoje são das minhas preferidas e de que agora fujo muitas vezes. Fujo para não me arrastarem para estas memórias que agora aqui me escorrem pelos dedos...
 Gostei muito, tanto, dessas prendas surpresa, sem data, sem altura, sem dia próprio, mas próprio de qualquer dia de quem gosta e quer dizer que se gosta, e que me faziam o dia, a semana, e se prolongavam e repetiam de cada vez que os ouvi. Eram feitos para mim, a pensar em mim, à minha medida, num nós em que me sentia realmente eu. E era, e as músicas que me escolheram provavam que me viam como sou, como eu sinto. Com aquelas bandas sonoras ou sem elas. 
(e andei a escapar o dia todo de coisas como estas e agora de pensar num cd o que me sai, senhores, não há esperança, a estupidez está demasiado entranhada...)

Bom Dia