Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

23 agosto 2013

Verdade!!...é mesmo!!


Caetano...catano, adoro a música deste homem!!!
...sofrer a eterna desventura de viver...


"Já lhe tinha beijado a boca e o pescoço. E esfregado a mão suada na dela. Sentira-lhe o hálito adocicado na ponta da narina esquerda e lambera-lhe o lóbulo da orelha direita. Ele já lhe fizera quase tudo. O “tudo” dos amantes. O “tudinho”. Eu disse-lhe que não. E argumentei solidamente perante o “mas.. mas…” atarantado.
Já conhecia cada centímetro cúbico das suas ancas.
“Não é aí”, disse-lhe. “Não é aí que mora a intimidade, homem!”

Os cafés chegaram à mesa, esperei pela saída do empregado para continuar.
“Olha lá, a intimidade de quem ama, ou gosta, ou deseja, só tem os nossos limites, certo?”
Levantou a sobrancelha e encolheu os ombros. Enquanto ele descrevia, subtilmente, o seu universo do “tudo”, recordei-me de um amigo, nas noites quentes do Seixal beira-rio, perdido na insensatez dos seus 19 anos dizer-nos “Pá, sexo oral com a nossa mulher, a mãe dos nossos filhos? Não. Fogo, nem pensar.” Isso seria coisa para “as outras”. Aquelas que desejamos mas com quem nada construímos. Como se houvesse um limite intransponível de intimidade com quem a mesma deveria ser plena. Voltei à mesa do café. Ele parara a descrição suculenta dos detalhes do amor e folheava, agora, os jornais.
“E já dormiram juntos?”
“Já!! Então, não te estou a dizer que fizemos tudo?”
“Está bem… mas dormir. Eu digo dormir. Ressonar. Fechar os olhos! Esse dormir!”
“Ahmmm…”
Ele olhou para mim com a nítida expressão do já me lixaste.
“Ohhh, lá estás tu… e isso é assim tão importante?”
É.

Contei-lhe uma história… uma viagem que fiz, em trabalho, à África do Sul. Em Durban, tive um motorista cuja sensibilidade ia muito além da memória fotográfica para ruas e da avidez para não parar em semáforos. Mtunzi era um homem fora de série. Um dia, em tom de confissão, contou-me… tinha apanhado, no aeroporto, um cliente. Casado, também ali em trabalho, o homem pediu-lhe para seguir para o hotel e, pelo caminho, lá lhe perguntou…
“Where can we find women, here. Beautiful ladies… hum?”
Mtunzi, a cortar a curva com a ternura de um talhante, lá lhe disse:
“What kind of women? The one you pay or the one you may fall in love?”
O cliente riu-se. E percebeu que a coluna afectiva do motorista era inabalável. Não mais abriu a boca durante a viagem.
Há coisas que não fazemos com quem se paga. Ou com quem o “tudo” é outro “tudo”. O meu amigo continuava incauto a mirar-me.
“Como assim?”
Sorri-lhe.
“Já lhe tocaste nos pés?”
Riu-se. Insisti.

O amor não está na juras ou promessas. Nem na liberdade dos teus dedos no corpo dela. Está nos pés. Naquele momento em que os teus tocam nos dela. Frios ou transpirados, sujos ou lavados, de unhas cortadas ou compridas. Quando os pés dela se esfregam nos teus e ali ficam.
É aquele instante tabu, em que a âncora do teu corpo tenta entrelaçar-se no outro. Em que ofereces a tua base. O teu sustento. O teu equilíbrio. Está aqui e é teu.
Não há intimidade maior, nem oferta mais doce. Quando, indiferente ao que aqueles cinco dedos comportam, deixas o teu dedo grande passar-lhe pela palma do pé. Quando sentes a rispidez da pele do calcanhar na barriga da perna e prendes, em pinça, os dedos dela nos teus.
“E, então? Já lhe tocaste nos pés?”

Disse-me que não, cabisbaixo. Mandei-o para casa. Fazer “tudo”. "

Roubado daqui., escrito pela mão da Rita Marrafa de Carvalho.

DELICIOSO... as pessoas não fazem ideia do "tudo" que podem ter... e às vezes eu gostava de também não ter, torna muito reduzido o que nos pode preencher depois do "tudo" tido e perdido. Há coisas de que raramente e dificilmente uma pessoa se refaz. 
Uma terrível nostalgia e melancolia por aqui hoje.
Tristeza e saudade.
Uma vontade enorme que outros sítios me puxem, me magnetizem, me façam querer alguma coisa de novo, alguma coisa tornada minha, tornada eu. Um eu diferente mas tão eu como eu agora.
Cada vez mais sozinha, cada vez maior a vontade de ficar sozinha.
Mas longe. E podia ser aqui, porque é a minha cara -  ou a cara, infelizmente, talvez não, mas o meu por dentro...
Bom Dia!