Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

07 maio 2014


Amo-o como se pode amar a vida, suponho, com tudo de bom e de mau, de desespero e de doce, num jogo de luz e de sombras de que me escondo e a que me exponho. Amo-o a instantes, e a toda a hora. Amo-o quando em segundos os seus olhos me dizem das saudades que sentiu, do que ainda não parece ter desaparecido de dentro de si, do que guarda de mim. Amo-o na maneira como o seu olhar dissipa a névoa da dúvida em mim, até se enevoar de novo longe dos seus olhos. Amo-o quando fala com o rapaz do bar que o reconhece com genuína simpatia no sorriso rasgado, que me rasga do mundo e me faz mergulhar em si, no seu gesto brincalhão e palavra pronta para quem não conhece, mas que o dá a conhecer a quem quiser ver. Nesses pequenos instantes vê-se a imensidão de si que amo, como na conversa com o empregado de mesa dum jantar não combinado, em que a vontade era de encostar-me o olhar e o resto, e ele a querer conversa, e o sorriso que lhe dirigia a fazer-me querê-lo com urgência. Amo-o quando ao longe o vejo lidar com as pessoas, os seus trejeitos, como se mexe, como fala, como se ri ou sorri, como sei de longe se lhe estão a dar tanga e se está a devolvê-la ao remetente. Amo-o quando se encosta a mim, e entre nós não cabe o espaço das palavras que se dizem ao ouvido, quando já os corpos conversam mudos, com a sua cara colada à minha, num roçar onde cabem todos os beijos proibidos. Amo-o quando chama mágicas às minhas mãos, e por a sua pele as querer ao ponto de dizer temê-las, ainda que minta. Amo-o quando a mão que me põe na cintura me faz tê-lo todo, dar-me toda, basta fechar os olhos, e aquele toque toca-me por inteiro, leva-me inteira. Amo-o quando a conversa resvala para coisas que o fragilizam, e parece um bebé meio perdido a quem dão a traquinice por ponto de fuga. Amo-o quando percebo que disse alguma coisa que o tocou e revela aquele certo sorriso que me toca. Amo-o quando me chama pelo nome, porque todo o chamamento é uma vontade de presença, amo-o ainda mais quando repete o meu nome vezes seguidas quando a minha presença já é conjugada no presente. Amo-o até quando não gosto de si, quando me assaltam coisas que fez, que me fez, ou que deixou de fazer, sabendo o quanto me magoam e perseguem. Até aí, debaixo disso tudo, ri-se triunfante o Amor que sinto e lhe quero entregar a instantes e a toda hora. Amo-o por esse Amor que fez nascer, esse Amor que faz pouco de mim, e faz-me o muito que posso ser. Amo-o como se podem amar momentos encaixilhados que nos fazem sorrir cá dentro a cada passagem, momentos cristalizados, bem guardados até quando não os vemos, quando não sabemos do seu paradeiro, e no meio da correria do dia a dia, nos surpreendem no meio duma frase dita ou ouvida, e que fazem quem somos sempre e a toda hora, até quando não sabemos o que somos. Amo-o quando me chama egocêntrica, entre sorrisos cúmplices, por dizer que estar consigo, não é estar com outra pessoa, é estar comigo, com uma parte de mim debaixo doutra pele, por isso só consigo ser inteira consigo, tem uma parte minha que me falta, ou um qualquer componente activo necessário à minha reacção fundamental de viver bem, preciso desse reagente químico-afectivo que traz consigo como segredo bem guardado, para acordar o que trago em mim, vivendo, sentindo vida em mim. Amo-o como as mães amam os filhos quando partem e quando regressam, nunca as tendo deixado enquanto sentiam o coração apertado pela ausência de quem é parte de si. Amo-o quando me afundo no seu pescoço, no seu calor, no seu cheiro como as crias quando se sentem protegidas e sem saberem do mundo que as espera lá fora, na inocência do que é vital. Amo-o quando mergulho nesse buraco negro com o seu nome inscrito e o seu sorriso gravado, como se ama a queda livre num olhar sem chão, e a vida que a vida pode ter, e de que não me consigo despedir. Amo-o quando me diz que cheiro a Amor, porque sempre me cheirou que fosse dos que sabem o aroma do Amor, ao que sabe o Amor, ao que soa o Amor, como um conjunto de sentidos que se sentem sem sentido, a não ser o de amar.

Amo-o como acho que se pode amar um homem. Amo-o sem nunca lho ter dito, dizendo-o de todas as formas silenciosas que penso que o amor deve ser dito, e re-dito em instantes e a toda a hora, enquanto espero que um dia lho possa dizer com todas as letras sem que isso o faça sentir o fogo das suas represas de dentro. Quando o puder ouvir sem medo de nada senão de que o Amor se cale, porque é preciso esse medo para amar, é preciso esse medo para ser Amor.

Amo-o a instantes e a toda hora.

Amo-o todos os dias como se só houvesse amanhãs consigo.

[escrito há tempos, lido há tempos, tempos passaram sem qualquer resposta, comentário, não era preciso, atitudes era o que era preciso, e a atitude quando chegou foi apenas uma despedida, um aceno de adeus, porque não se sabe fazer mais nada além de despedidas e desistências. Um dia vou voltar a amar assim e vou dizê-lo de todas as maneiras e vou escrevê-lo, e não vou ter vazio por resposta, vou ter Amor por resposta, em atitudes e palavras e mimo e tudo o que eu entrego a quem amo. Um dia... entretanto faltam-me amanhãs...]

20/4/2012, republicado, mas escrito muito tempo antes, horas depois de o ver descer a rua sem olhar para trás, como nunca olha, nem olhou.


[no fundo era disto que falavam os meus ovos mexidos, só se ama assim quando conseguimos entrar no mapa interior de alguém, e é assim que ninguém me conhece, ninguém me ama, ninguém me ama conhecendo-me por dentro do avesso que me fez e faz.
no fundo era isto. e só.
...um dia a vida acontece (-me).]

Enquanto fazia uns ovos mexidos e uma torradita de jantar, batia os ovos e pensava que de todas as pessoas que me passaram na vida e de quem gostei quase nenhuma se interessou realmente por mim. E quando digo interesse por mim, é interesse na minha pessoa, em quem sou, como sou e como me fiz quem sou, as estruturas que me suportam o eu. Interessam-se sobre o que gosto de fazer, o que penso sobre algumas coisas, do que gosto, mas não sobre mim, sobre o passado, sobre a vida que tive, o que vivi, o que tive a mais o que tive a menos, o que nunca tive, o que me torce a alma até escorrerem lágrimas. Eu sempre me interessei pelas pessoas, pela maneira como pensavam, mas principalmente o porquê de pensarem assim, as origens das coisas, os porquês. Engraçado que as pessoas gostam sempre de falar de si, e se se souber ouvir, e fazer algumas das perguntas certas, as pessoas falam, explicam-se, revelam-se, traçam o mapa de si mesmas. E quando gosto de alguém, gosto de lhe conhecer o mapa, de saber os porquês e os comos, gosto de encontrar o fio que une a vida da pessoa, as suas atitudes, o seu modo de pensar e viver, e claro de sentir. Do outro lado, esse interesse raramente o noto, penso que só uma pessoa me conheceu melhor e quis mais saber de onde e como cheguei ao que sou, foi a única que acho que realmente gostou de mim, verdadeiramente, genuinamente, ainda que não da maneira certa - ou da maneira certa para mim-, e a culpa foi minha, provavelmente toda a vida andei a tentar esconder-me duma parte de mim, abafá-la, asfixiá-la, domá-la. Não consegui, como agora entendo, que nunca se consegue porque nós vimos sempre, e sempre viremos ao cimo de nós mesmos, seja como for, venha o que vier - mais tarde, ou mais cedo, há que aceitar. A paixão que me corre nas veias, a vontade que me brilha o olhar, a vontade de amar sem chão e sem razão, rompeu os dias que queria certos e racionais, arrumados para uma vida, que depressa se mostrou não ser vida para mim, não ser a minha vida. Não era eu. Eu tenho de escrever, de transbordar em palavras, tenho de escavar em mim e nos outros, tenho de entender, e tenho de me dar mesmo quando tudo me diz para não o fazer. Tenho de chegar ao fim do caminho, tenho de percorrer o caminho, porque o tenho nos pés antes de o fazer. E foi o que fiz quando acordei em mim e numa vida onde os meus pés não mexiam, calçados onde não cabiam. Descalcei-me, e pé no chão pisei as pedras que no meio do meu caminho me apareceram, não desviei caminho, não tomei atalhos, não pensei se haveria lugar melhor ou caminho menos doloroso. Aquele era o meu caminho, era o caminho dos meus pés, eles sabiam e não paravam. Não pararam. Chegaram onde tinham de chegar. E nunca em todo o caminho, o de agora ou outros de antes, alguém o entendeu ou quis entender. Nunca ninguém se interessou pela vontade dos meus pés, o porquê, onde e como começaram a andar, do que fugiram toda a vida, ou do que toda a vida tiveram medo, do que os fazia correr caminhos de alma mesmo amarrados. Nunca ninguém, à excepção da pessoa com quem casei, me quis saber por dentro desde o inicio do meu tempo, e essa pessoa não me entendeu, nem poderia, não mostrei o que queria esquecer que tinha,  que queria domar sabendo que não era amestrável, eu sabia que não o entenderia, eram caminhos que ele não saberia pisar comigo, não lhe moravam nos pés. Mas nada o impediu de tudo o que de mim sabia o usar contra mim quando os caminhos se desencontraram, quando quis aprofundar as feridas que sabia e conhecia o lugar. Mas ao menos ele fez por conhecê-las. Não tenho rancores nem ódios, quero estar bem, só isso, como sempre quis e por isso sempre passei por cima de tanta coisa, até ao ponto de, de tanto amontoar coisas e tentar passar por cima, elas tornaram-se tamanha montanha que a luz deixou de passar, e eu deixei de subir a montanha para chegar ao lado onde tudo isso ficava para trás. O casamento acabou. Uma parte de mim renasceu, os meus pés mexeram-se e descalçaram-se. 
Eu, quanto mais gosto da pessoa, quanto mais genuinamente gosto dela, mais a quero desvendar, e quanto mais desvendo mais compreendo e mais compreendo o que gosto e não gosto, mas aceito porque posso entender e porque gosto. Neste momento ninguém no mundo sabe como estou, se estou, o que passo, o que penso, ou como, ou o porquê de tudo isso. Os porquês, sempre os porquês. Nunca ninguém mais quis descobrir a resposta ao meu. É preciso gostar, gostar genuinamente para querer saber o porquê e amar além de todos os porquês - os meus e os dele.

[ainda bem que o prato não era elaborado senão o testamento não sei que comprimento teria...]
"Se tiveres mesmo de optar entre alguém para foder e alguém para falar*,

para uma noite, escolhe alguém para foder;
para uma semana, escolhe alguém para falar;
para uma vida, escolhe as duas coisas ou nada.

Uma vida é um tempo demasiado longo para soluções de compromisso.

* a capacidade de foder por prazer e de falar por prazer são duas das mais importantes características humanas, e por isso excepcionalmente relevantes na escolha de um parceiro"

Do Menino (adoro as coisas que o Menino escreve, que fazer?)

Palavras sábias do Menino, concordo plena e profundamente (sendo que, na maneira como vejo as coisas, quanto mais para a frente no tempo e nos anos o falar vai tendo um peso relativo cada vez maior)...
...então, mas e quando se começa a encarar a vida como uma noite de cada vez? 

[hoje é dia de pilhagens, porque o livro acabou e andei a fazer o luto do livro bloggando... tenham paciência...]