Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

29 setembro 2015


(foto @andreatomasprato)

(...)A luz é o meu túmulo.

Em tempos, os meus gestos tiveram o rigor da abelha que rouba o pólen à flor.
Com esses gestos quis construir um espaço para o silêncio. Uma morada onde fosse possível ignorar o mundo, ou esquecê- lo.

De vez em quando, aceito ainda o mistério das palavras que me cercam e não coincidem, em nada, com a realidade. Eu só quis celebrar a vida. Encontrar o esconderijo onde fosse possível um derradeiro acto de paixão.

O esconderijo onde pudesse, de novo, tocar teu rosto
e recusar a aridez da calúnia.
Mas a luz é o meu túmulo.

A pouco e pouco incendiaram-se os negros profundos, o círculo luminoso aprisionou-me, e as mãos gesticularam sem sentido. O interior das paisagens guardou a tua ausência. E numa última visão a madrugada irrompeu do mar adormecido.

As mãos abriram-se novamente,
quando o dia começou a devorar a nudez do corpo.
Comovido, perdi a voz.
Não podia chamar-te, lembro-me, por isso desatei a escrever o teu nome nas paredes da cidade. Tempo perdido. Já não podias ouvir-me nem ler-me.

(...)

Al Berto, "O Esconderijo do Homem Triste"

[Já não podias nada porque podendo tudo nunca quiseste. Faltou-te sempre a derradeira paixão, onde coincidem as palavras e os dias. Onde o esconderijo surge porque é preciso tocar um rosto tanto como respirar, e o respirar é apenas o tempo entre a vida de tocá-lo. Tocar aquele rosto, aquele e não outro, aquele e nenhum outro, suspende os dias, o mundo, a luz, a escuridão, tocá-lo dá-nos vida, alimenta-nos. O respirar mantém-nos ao correr dos dias para poder tocá-lo. 
Faltou-te a derradeira paixão, por isso não guardas ausências, se não olharmos o lugar vazio não lhe vemos o vazio, nem sequer o lugar. Se não formos à procura do que já não encontraríamos a ausência não se faz presente, nem sequer existe, como a derradeira paixão que te faltou. 
A mim falta-me a voz e as mãos fecham-se-me. Já não me comovo.]

... Caso para dizer: dane-se! 
Dane-se, que passa...