Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

28 outubro 2015


Há pessoas em que é notória a falta de companhia, e não entendo isso, as pessoas que têm pavor de ficar sozinhas, estar sozinhas, de serem vistas sozinhas. Eu não padeço desse mal, prefiro estar sozinha a estar na companhia de quem não a faz, de quem nem me expulsa da solidão nem ma deixa gozar no pleno das suas faculdades. Em nome de quê? Duma solidão que fere mais cada vez que se ouve a voz, a respiração, o riso de alguém que faz numero mas não faz par? Irrita-me isso, isso é que não me deixa à vontade. Eu, em podendo escolher, escolho estar à vontade, e isso ou é partilhando o tempo com quem gosto, ou estando sozinha. Talvez, para mim, seja tudo uma questão de intimidade, de cumplicidade, de bem estar. Para fretes e obrigações já basta os restantes departamentos da vida.

Ontem a minha mãe dizia-me "filha o que vai ser de ti quando não estivermos cá? vais ficar sozinha? quem te ajuda, com quem conversas, partilhas, resolves os problemas? Se calhar não te devias ter separado... afinal toda a gente tem defeitos, não há ninguém perfeito, e ele até tinha algumas qualidades... se calhar és muito exigente..."; e eu respondo que prefiro sozinha do que com uma companhia com quem não me sinta melhor do que sozinha. Só deixo de estar sozinha para estar melhor do que sozinha, não pior, até porque cada vez tenho menos pachorra para as pessoas. 

Depois fiquei a pensar naquela cena e o que me ocorreu foi que devia ter respondido que quando eu encontrar alguém que a minha mãe, ou quem quer que seja, até encontre defeitos, se calhar muitos, mas defeitos que eu possa entender, assimilá-los como parte dum todo que não se duvida de tão positivo, de tão bom. Que eu, conhecendo-os, diga que não faz mal, que defenda a criatura mesmo sabendo que até tem mais defeitos (uma vez disseram-me que quando se ama defende-se quem se ama, e hoje de manhã no banho lembrei-me disso a propósito de outra coisa, mas agora volto a recordá-lo aqui), mas que gosto dele, que estou melhor com ele do que sozinha, que pode não ser perfeito mas que me faz sentir perfeitamente bem. Faz-me sentir perfeita para ele, e isso torna-o perfeito para mim. Isto sim, vale a pena para partilhar a vida, o tempo e o que vier. Venha o que vier. Venha quem vier.

[talvez tenha razão, talvez seja demasiado exigente, mas pelo menos por enquanto é isto que sinto e penso]
Estava a ouvir uma entrevista ao Lobo Antunes e aquele homem é extraordinário. Mesmo. É uma delícia de ouvir e bruto sempre que pode. Tive vontade de parar o que estava a fazer para escrever frases que me punham a sorrir atrás dos óculos escuros, onde ninguém vê, mesmo que não os traga. Falava da beleza, do que pode ser para ele, ou para qualquer um, a beleza, o sentir-se atraído, e ele dizia que toda a gente falava de beleza interior, mas e o que era isso de beleza interior? que toda a gente parecia falar e usar, e ele não sabia. Para ele atraente, como uma casa, era aquilo ou quem nos dava vontade de habitar, mais, que sabíamos poder habitar, onde nos sentíamos confortáveis, em casa. Esta foi uma das frases que me ficou "a mulher que eu possa habitar". Houve mais, muitas mais, que ficaram perdidas naquele sítio em que sorrio sem se ver, sem me verem. E eu que não queria escrever nada no silêncio que me habita, o António Lobo Antunes obrigou-me a gravar o que me deu hoje, há pouquinho mesmo. A vida é assim mesmo, sem planos ou só de planos furados, também ele o dizia e lembro-me agora que também ele dizia que uma pessoa apaixona-se verdadeiramente quando verdadeiramente não dá jeito nenhum... A vida não deixa fazer planos, e é isso que assusta, e isso que lhe dá gosto, que a faz valer a pena. Eu acho, mas não dá jeito nenhum.

Post original publicado a 28/10/2012 

Post publicado há três anos neste dia, por curiosidade fui ver o que se publicava aqui por essas alturas, deparei-me com isto e lembro-me perfeitamente do dia em que no carro ouvi esta entrevista, de manhã, num dia em que o sol obrigava a óculos escuros, o que hoje de manhã não aconteceu. O resto continua o mesmo, continuo a gostar do homem, do que diz, da sua doçura que enxota à bruta. Fica aqui e inaugura uma nova etiqueta "REpost". Gostei da recordação, de me lembrar como se fosse hoje. Sem esta publicação isso não seria possível, é também talvez por isso que gosto tanto deste blog, tenho aqui os registos do que fez a minha vida, e do que a vida me fez, nos últimos anos.

Bom Dia