Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

23 março 2015

As mãos, sempre as mãos. Aquelas nunca tinha percebido serem feitas de dedos compridos, magros, de tanto andarem sempre enroladas em si mesmas, e vi hoje, tão perto para tocar tão longe para lhes chegar a vida que as faz mexer. 
As mãos por onde a vida passa, as mãos com que não a conseguimos agarrar, inúteis quando escorrem impotência. As minhas, que agora recordam o que o dia inquietou, o que tentaram aquietar sem darem paz, e que escrevem outras, mais cansadas da vida que lhes foge, a vida que enruga a pele que veste o sangue; mãos que querem proteger - querem continuar a proteger -, que tentam segurar a vida que deram, e agora tremem face ao medo quando tocam em desespero outras mãos, de dedos compridos, adormecidas, distantes, quase noutro mundo. 
E os meus olhos vagueiam pelo espaço, olham números que não se somam mas subtraem vida a conta gotas. Enquanto fogem do olhar demasiado brilhante de quem contém o que não sabe gritar, vêem outras mãos que se fecham em punho fechado, de revolta calma, de racionalidade que pensa poder ordenar um mundo sem ordem, onde a racionalidade se afoga em lágrimas por chorar. A vontade de ter as coisas nas mãos, de controlar, de poder fazer onde tudo parece desfeito. Fecham-se as duas mãos em punho fechado, vazio de força e cheio de dor lenta que não explode. Punho fechado que esconde o vazio enquanto o segura. E as minhas, as minhas mãos, cheias de não saber para que servem, que procuram agarrar, chegar às que restam, que procuram consolar o que consolo não pode ter. Mãos que esperam por agora para se abrirem em palavras. Mãos vazias que acumulam perdas. Mãos a que tudo foge, como a água escorre por entre os dedos abertos, e que foge se os tentamos fechar.
Mãos, sempre as mãos - talvez a vida se resuma aos momentos em que são úteis e fazem, aqueles em que são inúteis e nada podem fazer, e aos momentos em que servem afectos e são amor com pele.