As mãos por onde a vida passa, as mãos com que não a conseguimos agarrar, inúteis quando escorrem impotência. As minhas, que agora recordam o que o dia inquietou, o que tentaram aquietar sem darem paz, e que escrevem outras, mais cansadas da vida que lhes foge, a vida que enruga a pele que veste o sangue; mãos que querem proteger - querem continuar a proteger -, que tentam segurar a vida que deram, e agora tremem face ao medo quando tocam em desespero outras mãos, de dedos compridos, adormecidas, distantes, quase noutro mundo.
E os meus olhos vagueiam pelo espaço, olham números que não se somam mas subtraem vida a conta gotas. Enquanto fogem do olhar demasiado brilhante de quem contém o que não sabe gritar, vêem outras mãos que se fecham em punho fechado, de revolta calma, de racionalidade que pensa poder ordenar um mundo sem ordem, onde a racionalidade se afoga em lágrimas por chorar. A vontade de ter as coisas nas mãos, de controlar, de poder fazer onde tudo parece desfeito. Fecham-se as duas mãos em punho fechado, vazio de força e cheio de dor lenta que não explode. Punho fechado que esconde o vazio enquanto o segura. E as minhas, as minhas mãos, cheias de não saber para que servem, que procuram agarrar, chegar às que restam, que procuram consolar o que consolo não pode ter. Mãos que esperam por agora para se abrirem em palavras. Mãos vazias que acumulam perdas. Mãos a que tudo foge, como a água escorre por entre os dedos abertos, e que foge se os tentamos fechar.
Mãos, sempre as mãos - talvez a vida se resuma aos momentos em que são úteis e fazem, aqueles em que são inúteis e nada podem fazer, e aos momentos em que servem afectos e são amor com pele.