Há vezes, como hoje, em que uma pessoa sente tanto algumas coisas que parece sentir as paredes da alma arranhadas por um grito mudo a rasgar um momento desavisado, que se prolonga nas garras da memória pelo dia adentro. Como hoje. Sente-se tanto que dá a sensação de que não o estamos a sentir sozinhos, como se parte daquilo não fosse nosso mas chegasse a nós a sentir, como se do outro lado do grito houvesse outra boca faminta, outra alma que rasga. Sente-se tanto que parece que sentimos por nós e por quem não sente, mas sentimos como se sentissem. É uma coisa que abalroa de dentro, que não se trava, mas que nos cristaliza. Quando ao fim do dia se expõe tudo à luz que o dia engoliu, percebe-se que a sensação é uma realidade inventada, que a sensação é só um engano. Um engano, que de tão sentido, se enganou anos a fio à procura da outra ponta do fio, onde o engano se desenganava e a realidade não se inventava. Vivia-se, a par, num grito de sentir tanto.
Tanto engano, afinal.
Boa Noite