Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

10 novembro 2014


"Não sonhas. Morres um pouco de manhã e ao meio do dia quando o sol mais queima. Tens de continuar. Tens de esquecer. Não aguentas mais. Tens de acabar, matar, recomeçar a viver. Só que ela está presa por dentro e tu agarrado a ela por um nó da garganta e não sabes o que deves deitar fora, arrancar, vomitar para que ela te saia de dentro. Sais à noite com definitivos propósitos de não voltares sozinho. Compões dentro da cabeça uma mulher com um bocadinho disto e um bocadinho daquilo e esperas que bata certo. Levas um bocado do tecido rasgado e queres encontrar o todo. Mas não encontras ninguém. Pior, encontras alguém que te vem provar sem remissão que não a vais poder substituir tão facilmente porque não há mais nada no mundo inteiro depois dela senão um deserto de tempo que se estende à tua frente onde tudo se torna insignificante e pequenino. Começas a beber, a fazeres-te mal, porque estás triste e não acreditas em nada senão na dor."

Pedro Paixão, in Nos teus braços morreríamos

[há dias em que estou assim, não acredito em nada senão na dor, não bebo, ou nesses não bebo especialmente, nem para isso me dá, porque a consciência da dor não me deixa distrair. Agarra-me por todas as consciências que queria caladas e paralisadas, apagadas e inofensivas. Nesses dias fecho-me, calo-me, apago-me. às vezes tento falar sozinha, para dentro, às vezes consigo e escrevo - que é como falo comigo tantas vezes, e tantas vezes me explico a mim mesma, como se eu fosses tu e tu fosses eu, ou fosse tudo a mesma coisa, sei lá, porque às vezes parece que é. Outras não. Mas "explico-me-nos" - e esta palavra faz-me lembrar do nosso dicionário próprio e duma viagem cheia de palavras novas que tenho aqui num rascunho guardado neste blog, e lembro-me de tantas coisas parvas que não me são nada parvas, mas que podem parecer a quem não tem esse dicionário nascido debaixo daquela prega do coração que faz cócegas e nos faz sorrir aqueles sorrisos tontos que ninguém entende, nem eu entendo, nem quero, prefiro sorrir só (mas adiante) - explico, ou tento, em diálogos imaginários e explanações teóricas quase praticamente provadas no imaginário que somos nós, ou nso... porque não somos nada, nem isso, mas prova-se tudo na mesma. Aliás normalmente acabamos a provar-nos, mas é tudo imaginário, ou não, sei lá. Tu sabes?...  e eu que já nem sei o que comecei a querer dizer que já me perdi, os dedos seguem o rumo da cabeça e a cabeça vai para lá duma eternidade que não tem rumo, mas tem sonhos, ou sonho, e a cabeça atrás da alma anda sempre para aquelas bandas, perde-se por lá como se não conhecesse aquele território melhor que as mãos, melhor que as palavras que me saem sem as pensar enquanto aqui estou e olho só as letras e nem penso... pensar o quê? O que há para pensar? Não sei pensar, não nisto, pensei o dia todo, esgotei pensamentos, esgotei-me em pensamentos, agora dou-me em palavras que me saem como quem respira e nem sabe por quê....só sei que saem palavras porque os beijos estão longe e só tenho as palavras à mão, tão vazia das tuas mãos, que não me lembro já o que queria dizer, sei que li este texto e  na última frase lembrei-me de ti, mas para o esquecer quis-me lembrar de mim, porque há dias em que só a dor me encolhe em mim, e fujo de mim e dos dias e de tudo, porque nem as palavras me falam, nem elas me acodem às vezes, e procuro as palavras dos outros para me dizerem o que quero dizer, o que quero dizer-te, e então começam a sair como quem responde a um chamamento que ninguém chama - como quando dizes que me chamas, ou chamavas -, é como apanhar inesperadamente a ponta da linha duma baínha desesperada que não sabíamos ter, começar a puxar e de repente temos um novelo que já não tem ponta, não tem ponta por onde se lhe pegue, como este texto. Que veio daquele ali de cima, porque me lembrou de ti a última frase, porque te vi na última frase, como se viesse com a morada do teu olhar nalgumas noites que te vejo mas mal te olho, mas o resto, o resto do texto, infelizmente, lembra-me só o que sinto na minha dor que se cala quando a quero gritar. Cala-se, mas não morre. a sacana. Mas passo-a para aqui pelo passador das palavras e pesa-me menos. Muito menos.]

Bom Dia
(pois é estranho, mas é assim)
"Porque havia uma data de coisas para as quais eu tinha os olhos fechados. E porque procuramos a porta nas paredes em que sabemos que não há porta, quase nos sentimos culpados de ser felizes, se é que isso existe..."

"Lembro O Diário de Tolstoi, quando ele escreve: lutei para ser melhor que o Shakespeare. E sou e depois? E para ser que o Molière e sou e depois? O que é ganho com isto? O Mozart com cinco anos tocou para a Maria Antonieta e acabou o concerto com toda a gente a aplaudir. Ele correu, sentou-se ao colo dela e disse: âimez-moi."

"A minha memória é terrível. Tenho uma memória péssima, lembro-me de tudo."


António Lobo Antunes, nesta entrevista (leiam, vale a pena)

Gosto tanto deste homem... Alguém que pensa e sente assim toca-me, gosto... Mas ele é tão difícil de ler... À excepção das cartas publicadas, que são lindas de doce ternura, não consegui acabar nenhum livro dele. Ainda, porque não desisti. Gosto do homem, que fazer!

E agora é que é: boa noite.