Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

18 junho 2015

"Talvez eu seja um maníaco da equidistância. Em cada problema que se me apresenta, nunca me sinto atraído pelas soluções extremistas. É possível que essa seja a raiz da minha frustração. (...) Em geral é preciso bastante coragem (uma espécie muito especial de coragem) para nos mantermos em equilíbrio, mas não se consegue evitar que aos demais isso pareça uma demonstração de cobardia.(...)
A que propósito vinha tudo isto?Ah, sim. A equidistância que agora procuro tem que ver (o que é que não tem que ver com ela na minha vida actual?)  com Avellaneda. Não quero prejudicá-la nem quero prejudicar-me (primeira equidistância); não quero que o nosso vínculo arraste consigo a absurda situação de um namoro a puxar para o casamento, e também não quero que adquira o matiz de um programa vulgar e silvestre (segunda equidistância); não quero que o futuro me condene a ser um velho desprezado por uma mulher na plenitude dos seus sentidos, e também não quero por temor a esse futuro, ficar à margem de um presente como este, tão atraente e insubstituível (terceira equidistância); não quero (quarta e última equidistância) que andemos a rodar de casa mobilada em casa mobilada, e também não quero que fundemos um Lar com maiúscula."

Mario Benedetti, in A Trégua

[não, não é uma espécie especial de coragem, é uma especial  falta de coragem. Não é por se arranjarem supostas justificações para a cobardia, que deixa de ser cobardia. Os apelidados equilíbrios são apenas uma equidistante cobardia para duas alternativas que se pretendem continuar alternativas, porque só na equidistância as soluções continuam alternativas, mantêm-se alternativas. A opção obriga a uma solução, perdendo a alternativa. O resto são razões que se procuram e que se querem que justifique a confortável inércia de um horizonte por desbravar, sem nunca dar um passo em direcção alguma. As razões preferidas são as que se dizem ter a pensar nos outros, quase à laia de altruístas e nobres (nas que, mais das vezes, não beneficiam realmente ninguém), mas na verdade é sempre pensamento de - e a pensar em - quem as pensa. Há uma altura no livro em que esta conversa é desmascarada e onde um amigo, sem papas na língua (há quem lhe chame mau feitio, mas às vezes acorda-se muita gente...) diz exactamente isso, são apenas desculpas para não avançar e enfrentar o medo. Sempre o medo, do próprio, claro, vir a sofrer, vir a perder alguma coisa. Estas supostas equidistâncias, que se presume manterem equilíbrios, não são coragem alguma, são apenas o assumir do esforço (que pode ser grande, não digo que não) que tem de se fazer - às vezes até há quem as apelide de estoicismo -, que tem de se enfrentar e aguentar para evitar o medo de uma opção, e uma opção é sempre uma perda. Um sim é sempre um não a alguma outra coisa.]
Final de dia, a luz a lamber o horizonte devagar, a deixar-se ir, 
quente e lânguida, pela escuridão da noite que a abraçará. 
Uma mesa de café, uma brisa que refresca, uma companhia que arrepia a espinha e o sorriso malandro. É disso que ainda sinto falta, dessa sintonia, do rir no mesmo tom, do tocar nas mesmas cores, do olhar com o mesmo querer, de ler a mesma música sem haver pauta. Ou parecer. 
O que me faz falta, também, é a pele, como que me esqueço que me veste, esqueço-me que existe, 
não se arrepia a não ser de frio, não aquece a não ser por fora. 
Preciso de alguém que volte a fazer-me sentir,
 voltar a vestir a alma na minha pele, anda há demasiado tempo nua e perdida. 
A alma precisa de pele e a pele precisa sentir a alma. 
Ainda não sei dividir-me e ainda me falto inteira. 
E faltam-me fins de tarde assim. 
E começos de dia. 
E noites.
Inteiras.
Inteiros.

Bom Dia