Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

06 dezembro 2015

[foto @theselittlesquares]

Era a mais matutina de todos, por incrível que possa parecer. Gostava da casa em silêncio, ia para a sala e entretinha-me a ver bonecos na televisão ou pegava nos álbuns de histórias de pessoas que conhecia bem, ou algumas misteriosas que não sabia quem eram. Abria aqueles álbuns recheados de momentos vezes sem conta, vi as mesmas fotografias não sei quantas vezes. Gostava mais dos livros com histórias a preto e branco, eu nunca aparecia. Vi tantas vezes as fotografias do casamento dos meus pais que teimava inocentemente com quem me dissesse que não tinha estado lá. Lembro-me como se à estivesse agora à ver a minha frente, uma fotografia dos meus pais já casados, dentro do carro, o meu pai a dar um beijo na testa da minha mãe de olhos fechados, tímida de tanta ternura, e de sorriso tão feliz como nunca lhe vi sem ser em fotografias antigas.
Gostava daquelas manhãs sozinha, acompanhada da imaginação que voava, do tempo que passava dengoso, até que a casa acordava e seguiam-se aqueles pequenos almoços, que eram verdadeiros almoços, que não sendo pequenos eram diferentes. Enchia-se a mesa de tudo: cerelac, leite, compotas, chocolate para o leite, pão, fiambre, ovos, queijo para quem gostava, fruta. Pedia à minha mãe "pão aos bocadinhos com manteiga", não era o mesmo que pegar num pão e pôr manteiga, comendo à dentada, nso, não era. Não sei porquê, mas não sabia ao mesmo, e ela lá ia arrancando bocadinhos ao pão, punha manteiga e eu ia comendo, a ver aqueles bocadinhos alinharem-se à minha frente quais saídos duma linha de produção do mais tradicional que havia naquela casa.
Agora, aqui, a tomar café ao sol, percebo que me ficaram essas manhãs preguiçosas, sem pressa do dia acordar, entre histórias imaginadas, sabores simples que se gravam na nossa história, carinhos que alimentam uma vida inteira para ainda aqui estarem, depois de almoçar na varanda, com este sol e a minha pequenita, ainda as duas de pijama, sem saber se a ela lhe ficará alguma coisa parecida. Nunca me pediu "pão aos bocadinhos com manteiga".

Bom dia