Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

25 abril 2012

Boa noite.

Que boca há de roer o tempo? Que rosto
Há de chegar depois do meu? Quantas vezes
O tule do meu sopro há de pousar
Sobre a brancura fremente do teu dorso?

Atravessaremos juntos as grandes espirais
A artéria estendida do silêncio, o vão
O patamar do tempo?

Quantas vezezs dirás: vida, vésper, magna-marinha
E quantas vezes direi: és meu. E as distendidas
Tardes, as largas luas, as madrugadas agônicas
Sem poder tocar-te. Quantas vezes, amor

Uma nova vertente há de nascer em ti
E quantas vezes em mim há de morrer.

Hilda Hilst


Are you talking to me????
No????
Then you should start... right away.

Ela sentiu umas cócegas no ombro, mas duvidava se o tinha sentido mesmo. Insistiram, e ela teve a certeza de que tinha acordado, virou-se devagar, com o sorriso já desperto, e encontrou o olhar dele a acordá-la com carinho. Ele não disse nada, afastou-lhe o cabelo da cara e deu-lhe um beijo na testa. Ela afogou-se no pescoço dele e abraçou e tudo o que conseguiu, com pernas e braços, e ficou assim, só abraçada, à espera que acordassem para o mundo. Ele sussurrou-lhe ao ouvido que gostava de a ver dormir, e ela respondeu que gostava de o ver mal acordava. O olhar dele era o seu sol, enquanto não o visse não era dia nela. Ficaram assim enquanto o tempo parou, depois o tempo pareceu ter passado porque a fome deu horas. Deu-lhe um beijo e num salto anunciou a hora do banho. Lá foram, a água quente na pele do corpo já quente sabia bem, ele abraçava-a por trás com um braço que a envolvia pela cintura e que acabava no seu peito, a outra mão a percorrer-lhe as costas, e então deixou de haver tempo, e deixou de haver estomâgo, mas a fome tornou-se urgente, e ela gosta sempre dessa urgência, de a sentir, de a querer também, de a devorar enquanto sorri e sente apenas o toque, o carinho, o desejo, a vontade. Sente-se tão bem a vontade num toque, um toque pode ter a palete de cores mais extensa e viva, um só toque pode conter tudo e dizer tudo, ou pode ser vazio, não ter nada que vá além da epiderme. O toque dele ia-lhe além epiderme até à medula da alma, e era lá que a fazia completa. Era seu, ela era dele, naqueles instantes tinha certeza disso, sentia isso, em todo o resto do tempo duvidava e tinha medo, e sabia que enquanto fosse assim era bom, quando deixasse de ter medo, quando deixasse de duvidar, quando deixasse de querer, pouco mais restaria. Virou-se para ele, encostou-o à parede percorreu-o a par com a água que caía quente, desceu, subiu, adorava o seu corpo, cada milimetro dele, não se cansava de o ver e de o percorrer, com boca, pele e mãos,de se encaixar e amar a cada vez. Ficaram presos num beijo até ser a vez dele pegar nela e a encostar à parede enquanto a invadia e a água corria, fria para a temperatura dos corpos, acelerados, molhados, ligados. As respirações a compasso largo, os dedos a enterrarem-se na carne, os olhos a penetrarem-se e então abandonaram-se e os corpos tomaram conta da explosão que se dava, que acabava com eles abraçados, encaixados, com as bocas coladas num sorriso só. E um olhar que nos descobre por dentro. Ficaram assim algum tempo.
"Anda vamos ver a Toscana da Rascóia, que vai ser uma rambóia." -  ele deu uma gargalhada das que lhe enchiam a alma, e ela sabia que também ali ele era dela, mas em pouco tempo já não saberia nada, porque as certezas são coisas de pequenos instantes enganadores. Não há certezas, a única coisa que sentia por certa era querer continuar a ter medo, medo de o perder, medo que ele não fosse dela, que não se sentisse parte dela, porque isso era amá-lo ainda e tanto. Isso era certo. Só se perguntava se ele pensaria o mesmo. E se não pensasse, não era.