Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

19 janeiro 2015

(Foto de Máté)

Há alturas em que as palavras deixam de ser ponte e passam a ser casa.


As mãos. Quietas, sobressaltaram-me por dentro, sem poder assustar a calma por fora. Reconheci as mãos que tantas vezes vi nos extremos daquele olhar profundo de dor de alma e corpo, e intacta de dignidade madura, de fim de vida. Vi essas mãos hoje, outra vez, ao meu lado na mesa e não pude fugir de as lembrar, as que já não estão e agora se repetem. E agora aqui as deixo e ao sobressalto que me apertou dentro, apertando lágrimas sem consciência de as prender mas que se soltam quando as queremos largar. Soltam-se devagar, quase quietas, lambem a pele sem cair. Chorar, daquele chorar que limpa, que alivia, que nos soluça a alma, e depois de nos abanar e esgotar nos deixa mais leves, mais cheios dum vazio por preencher em vez dum vazio que nos preenche. Com esse ainda não fui abençoada. Mesmo quando vejo ainda, agora, na memória aquelas mãos. Quietas, inchadas, doentes por dentro. Eu só não estou inchada e a doença que trago dentro é só diferente. Nenhuma tem cura. Só se pede que se aguentem.

Pernoita-me.
Perdia-me.
Agora-me.
Sempre.

[só as palavras me escutam. só elas me falam]

Boa Noite