Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

31 maio 2014

O chá perfeito para a Eva Lost.in...
Ao meu lado um lugar vazio - ironias diria eu, se dissesse alguma coisa acerca, mas calo-, a seguir falam em tom do outro lado do atlântico, naquela língua de mel em que tudo parece mais doce, mais suave. O rapaz é novo, não é feio, não gosto das sapatilhas e odeio o toque de telemóvel, mas gosto das mãos. Gosto muito das mãos. E ponho-me a pensar nesta minha fixação por mãos (penso nas tuas sem pensar que penso, lembro sem recordar em consciência) porque será? Porque é o que nos toca a pele? Porque são elas que trabalham? Porque elas às vezes falam? Porque escondem vontades e afectos? porque retraem carinhos, ou porque os mostram escancarados, com pudor ou não? Carinhos cheios de ternura, ou vontades cheias de tesão de nos quererem agarrar por dentro, como se por fora, às vezes - e tantas, tantas vezes - fosse pouco. E as mãos procuram, exploram, agarram, percorrem levemente em vagas de arrepios, beijam-nos às vezes com toques que vão além do tempo e da pele. 
As mãos, darmos as mãos, dares-me a mão, receberes-me toda. 
As mãos são o segundo olhar.
"-Fuja de mim - disse um dia a Julião. - em nome de Deus abandone esta casa: é a sua presença aqui que mata o meu filho. Deus castiga-me - acrescentou em voz baixa - é justo; adoro a sua justiça; o meu crime é horrível e eu vivia sem remorsos! Foi o primeiro sinal de que adeus me abandonou: devo ser duplamente castigada.
Julião ficou profundamente comovido. Não podia ver nisto nem hipocrisia, nem exagero. "Ela julga que amando-me mata o filho, e contudo a desgraçada ama-me mais do que á ele. Não posso duvidar de que é este remorso que a mata; eis o que é grandeza de sentimentos. Mas como inspirei eu um tal amor, eu, tão pobre, tão ignorante, algumas vezes tão grosseiro nas minhas maneiras?"

Stendhal, in Vermelho e Negro

Será que se pode apanhar um comboio para outra vida? Será que os comboios que se perdem se podem apanhar depois noutra estação mais à frente? Será que nos levam a outro lado, ou só tornam toda a viagem diferente? Mas a vida é a viagem, não o destino. A vida são os comboios que se apanham e os que se perdem, os que se vêem passar, enquanto parados na estação, pensamos esperar pelo nosso, por aquele que nos leva onde queremos com a viagem que esperamos. Lembro-me daquela frase do Kundera na sua Insustentável leveza do ser, que dizia mais ou menos isto: "cada momento tem o peso da eternidade". Suponho que é assim cada momento que passa, cada momento que se vive, fica carimbado para a eternidade, não se repete, não se muda, o que daí resulta são consequências, também elas momentos eternos. Ficam para sempre, ainda que mais à frente apanhemos um comboio de regresso ao que pensamos nosso início. A viagem já a temos, já é eternamente parte do nosso ser. Nunca, verdadeiramente, se volta ao início. Nem a mesma viagem se repete, ainda que o percurso seja o mesmo, viveremos a viagem sempre de maneira diferente, porque já temos mais viagens dentro, mesmo que nos levem ao mesmo lugar. E estamos sempre a tempo de a cada momento fazermos da nossa eternidade o que queremos, desde que dependa de nós, de uma escolha nossa, para que ela mais à frente não nos pese, mas nos pareça curta. Depois há momentos em que só queremos fugir da eternidade que certos momentos - que outros escolhem - nos deixam, e então fugimos. Alguns de comboio. A eternidade apanha-nos mais à frente, ou até na viagem, como se vê. A eternidade nunca perde o comboio, chega sempre a cada momento.

Ó Mulher! Como é fraca e como és forte!
Como sabes ser doce e desgraçada!
Como sabes fingir quando em teu peito
A tua alma se estorce amargurada!

Quantas morrem saudosas duma imagem
Adorada que amaram doidamente!
Quantas e quantas almas endoidecem
Enquanto a boca ri alegremente!

Quanta paixão e amor às vezes têm
Sem nunca o confessarem a ninguém
Doces almas de dor e sofrimento!

Paixão que faria a felicidade
Dum rei; amor de sonho e de saudade,
Que se esvai e que foge num lamento!

Florbela Espanca

[é isto.]