Acordei a meio da noite e só pensava "onde está o meu descanso?", onde raio deixei eu o descanso, a tranquilidade, o bem-estar? O sentir-me bem?, parece que os descalcei para entrar nesta sagrada casa de doidos em que vagueio, donde ainda não saí, e donde sei que não vou sair pela mesma porta; não vou voltar a apanhar os meus sapatos antigos à entrada - vou sair por outra porta, ou por uma janela, ou pelo telhado, descalça. Resta saber que chão terei de pisar de pés nús, olhos no chão e coração desfeito. Sairei desta casa mais completa e mais vazia, a saber mais de amor e de desamor, cheia de um amor maior e esmagada por um desamor ainda maior e mais pesado. Não saio igual, mas não saio mais à frente na vida, apenas com mais tempo nos olhos, na pele e na desesperança. Terei de voltar a encontrar uns sapatos que me sirvam, que sejam o meu número, que sejam confortáveis, que me deixem caminhar sem magoar demasiado os pés, para levantar os olhos do chão e deixar de pensar com o coração, que precisa de descanso.